Conquistou uma estrela Michelin para o restaurante lisboeta, mas quando despe a jaleca, ao fim de dez ou 12 horas de trabalho, Koerper prefere ficar longe dos tachos. “Em casa, quem cozinha é a minha mulher. Também é cozinheira e é melhor do que eu. Quando chego não quero saber de caviar, de lavagante, de camarão nem de nada. Quero cozinha autêntica, caseira. Ela faz um bom feijão, uma boa massa”, elogia. E faz questão de ir almoçar a casa.
Mesmo em momentos festivos, Koerper deixa as iguarias por conta da sua cara-metade. “Posso fazer um prato, se me pedirem um do meu país. Mas é uma vez ao ano”. Ainda assim, gosta de testar ideias e novos sabores com amigos e familiares. Anda encantado com o limão caviar, um citrino exótico. E com o Cumaru, a baunilha da Amazónia. Como a descobriu? “A minha mulher é brasileira, de Belém do Pará”.
Horas a fio a emulsionar imaginação e requinte com ingredientes e empratamentos mais ou menos inesperados, fora das suas cozinhas ultramodernas, nem sempre os grandes chefs têm vontade de se agarrar às panelas. Se o fazem, é em ocasiões especiais. Prato principal: simplicidade.
Nesta Rota das Estrelas, no kitchen alive, jantar volante no hotel madeirense The Cliff Bay em que vários chefs cozinham ao vivo, Albano Lourenço, do Arcadas, preparou uma tosta de porco bísaro com creme de alho, cogumelos, trufa, chouriço preto e ovo de codorniz. A finalizar, uma flor comestível. Mas se estivesse em casa, ficaria feliz com uma refeição menos complexa.
“Sabe bem fazer um frango no churrasco, de vez em quando. Gosto muito de ir à praia comprar o peixe e fazê-lo grelhado, no meu jardim. É simpático, simplicíssimo, com uma bela salada e um bom vinho”, confidencia. Toma a maioria das refeições no restaurante da Quinta das Lágrimas, em Coimbra. Excepto ao domingo, quando intercala os almoços de família em casa dos pais ou dos sogros. À noite há “petisco”. “Estou no sofá com as minhas duas filhas e, ao final da tarde, não me apetece ir cozinhar. Vamos às compras e cada um escolhe o que gosta: um enlatado, um enchido, um queijo. Voltamos para casa e degustamos um bocadinho u de tudo”. Na folga, à segunda-feira, também “não apetece fazer nada de especial”. Gosta mais de passar tempo a tratar do quintal e do jardim. “Só em aniversários” é que cozinha. Nessa altura opta pela comida tradicional.
“No outro dia a minha filha mais velha dizia-me que nunca fazemos risotto. Mas tenho uma cozinha das tradicionais, com fogão e forno a lenha. Se tiver bacalhau congelado, costumo comer muitas vezes”, explica Albano Lourenço, que não vê “inconveniente nenhum” em, por exemplo, avançar para uma lata de atum na hora de se sentar à mesa. “Os meus pais criam galinhas e frangos e gosto muito de ligar o forno e fazê-los forma tradicional. Canja de galinha é espectacular”.
Mas também há quem goste de ‘levar o trabalho para casa’. De cozinhar para os amigos, com um bom convívio à mesa. “Mais depressa um chef cozinha quando está na sua folga, ao fim-de-semana, do que durante a semana, em que tem de trabalhar no serviço do almoço e do jantar”, aponta Benoît Sinthon, chef executivo do Il Gallo D’Oro, o restaurante do The Cliff Bay que tem uma estrela Michelin.
No seu caso, é habitual partilhar a confecção das refeições com a esposa madeirense. “No fim-de-semana, se ela faz o almoço, eu faço o jantar. Quando recebemos familiares, e podemos chegar a ter 15 ou 20 pessoas em casa, fazemos os dois a preparação e confecção. A minha esposa também tem muito jeito na cozinha e há muitos anos que cozinhamos juntos”, diz o chef francês. Ainda assim, não dispensa as idas ao mercado, de manhã cedo, para comprar peixe e legumes.
E o que preparam? “No Inverno pode ser uma carne estufada. No Verão fazemos um churrasco. Pode ser uma costeleta de vaca, uma espetada, borrego. Às vezes, só legumes no barbecue, com um bom azeite. É uma partilha em família, desde o momento da preparação ao da degustação”.
Passar bons momentos é o motivo que leva João Rodrigues, do Feitoria, a oferecer-se para cozinhar em festas de amigos. Mas também porque estar à frente do restaurante do hotel Altis Belém, em Lisboa, uma estrela Michelin, é passar muito tempo a gerir equipas, a definir cardápios, a fazer contas.
“Vamos evoluindo e acabamos por nos afastar do rebuliço, do estar ao fogão, do que nos trouxe para a profissão. É uma contradição, mas é verdade. Como a paixão continua cá, em casa adoro cozinhar. Faço questão”, assegura. “É exclusivamente por prazer”.
Gosta “de fazer de tudo um pouco, desde cozinha tradicional, como uma cabidela, uma feijoada, ou pratos mais trendy”. Mas sempre simples, realça o chef que na Rota das Estrelas reconfigurou o estufado do Gaiado (espécie de atum), com papas de batata-doce e cavala flamejada.
“Os pratos que fazemos nos nossos restaurantes são muito complexos. Alguns têm muitos passos. Demoram três ou quatro dias a conseguir. E em casa cozinhamos para estar com os amigos e divertirmo-nos”.
Os amigos e a família de Miguel Gameiro, vocalista dos Pólo Norte, que recentemente abraçou a culinária, “também estão felizes”. São “as cobaias” do ora cantor ora cozinheiro, que está a preparar os pratos do restaurante que vai abrir daqui a alguns meses.
“Sempre cozinhei, desde miúdo”, recorda Miguel Gameiro, que finalizou o curso na escola de Hotelaria do Estoril, estudou em Paris e tem estagiado com vários chefs em Portugal. “Quando me apetece muito ou quando estou a experimentar pratos novos, sou capaz de estar um dia inteiro na cozinha e só dar conta disso”, conta. Mas também admite que “é óptimo” chegar a casa e limitar-se a fazer um ovo estrelado com pão. “Adoro só isso e um copo de vinho”.
“Estou obcecado com a cozinha. A música é um amor muito grande, mas a cozinha é uma paixão mais recente”, resumiu. E notou-se. No kitchen alive fez uma parceria com Miguel Laffan, do L’And, para confeccionar um prato de salmão com gelatina de amêndoa. Mas como sobremesa serviu uma dose generosa de música. No final do evento, trocou os pratos pelo microfone e cantou alguns dos seus maiores êxitos.