Assim desapareceram das estatísticas do desemprego milhares de jovens recém-formados.
As bolsas de estudo e os centros de investigação nacionais sofreram cortes dramáticos – na área das ciências humanas os cortes foram particularmente acentuados e pouco criteriosos, criando injustiças ferozes – e muitos investigadores foram para universidades estrangeiras.
Agora, num pregão de fim de crise próprio de ano eleitoral, o governo lança o 'Vem', visando chamar à pátria os emigrantes que não se deram bem lá fora. Um programa tão ousado e intimista que merece ter como hino a canção Porquê? do grande Caetano Veloso. Ouçam e confirmem.
Em que consiste o programa? Em apoiar a fundo perdido a criação de novas empresas ou postos de trabalho, num valor que pode ir de 10 a 20 mil euros, e a um máximo de 40 a 50 projectos apoiados.
Ou seja: um 'projecto' nacional de apoio ao regresso a Portugal de um máximo de meia centena de portugueses. É obra.
Pus-me a pensar se me valeria a pena emigrar por uns meses até Badajoz para me candidatar a esta oportunidade, e sondei dez pequenos empresários portugueses que, apesar de dinâmicos e cheios de ideias, vivem à beira da miséria por não encontrarem financiamento nem clientela: nenhum deles acredita que com dez ou vinte mil euros se possa lançar uma empresa do zero – mas todos me confessaram que, todavia, esses valores lhes seriam preciosos para pagar dívidas e tentarem expandir os seus mercados.
Porém, para as pequenas e médias empresas com provas dadas e muitos anos de serviço, e criação de emprego, etc., não há apoios: só penhoras.
O trabalho continuado, o investimento no país, o mérito e o currículo de obra feita não contam em Portugal. Os subsídios e apoios – sempre mais teóricos do que práticos, porque depois esbarram nessa obra de arte lusitana que é o Muro da Burocracite – ao famoso 'empreendedorismo' destinam-se sempre a quem ainda não começou ou, como é agora o caso, a quem se foi embora daqui.
Reconhecer e auxiliar quem levou décadas a investir e perdeu mercados na enxurrada da crise financeira, isso é que não. É a política ajuda-de-mãe, tradicional nos países patriarcais e antigos: os pequeninos e fracos estão primeiro; os fortes que se arranjem sozinhos. Quem fez pela vida, continue a fazer.
Muito barulho por nada: mais uns milhares de euros desperdiçados em propaganda e faz-de-conta. O costume, qualquer que seja o partido no poder, em ano de eleições. Mesmo que esses cinquenta emigrantes – seleccionados como? – conseguissem transformar os dez mil euros do subsídio em negócios minimamente rentáveis (uma hipótese de um optimismo mirabolante), o que alteraria isso no panorama da economia nacional e da emigração?
A outra parte do programa é grave pelo que representa ideologicamente: oferece aos emigrantes estágios em empresas portuguesas maioritariamente pagos por fundos europeus e pela segurança social.
Assim se reduz o valor do trabalho, habituando as empresas a pagar menos por trabalhador. A ideia é a de que os trabalhadores devem considerar-se já muito felizes por terem um posto de trabalho, seja qual for o preço.
Não, não queremos o modelo laboral da China. Preferimos a pobreza à maneira europeia.