A Balada de Adam Henry começa com duas linhas em homenagem a Bleak House, de Dickens, que explora o potencial literário de um processo judicial, e termina com a morte de um jovem apaixonado, como no conto Os Mortos, de James Joyce. Entretanto, McEwan compõe um cenário realista, cheio de meandros técnicos (jurídicos) exigentes, enquanto expõe a perspectiva da protagonista, ao modo modernista.
Aos 59 anos (“na primeira infância da velhice, ainda a aprender a gatinhar”) Fiona vê-se abandonada pelo marido, enlevado por uma “última aventura amorosa”, com uma estatística de 28 anos. A crise no casamento acentua a insatisfação com a vida pessoal (sem filhos) e o investimento cego na carreira. Perita em direito de família (“Toda essa mágoa, com temas comuns e uma uniformidade humana, continuava a fasciná-la. Ela estava convencida de que introduzia razoabilidade em situações desesperadas”) Fiona está agora do outro lado, contaminada pelo kitsch irracional de qualquer separação.
McEwan trabalha cada frase com disciplina militar e sabe suspender o leitor, mas fá-lo tão bem que o crítico James Wood o acusa, com razão, de os manipular em demasia. Após julgar um casal judeu que luta “pela alma” das duas filhas e um casal católico que não quer separar os filhos siameses (apesar de isso lhes ditar a morte), Fiona enfrenta o dilema Adam Henry fragilizada. McEwan é tendencioso e limita os argumentos do lado da religião, patina ao compor a figura do marido em conflito e torna a relação entre Fiona e Adam bastante inverosímil. No geral, este não é um dos seus melhores romances, mas não deixa de ser uma proposta estilística de excepção e de leitura compulsiva.
A Balada de Adam Henry
Ian McEwan
Gradiva
192 págs., 14 euros