O dia inicial da terra

Terminado Êxodos, o segundo e prolongado mergulho pelas mudanças sociais à escala global, Sebastião Salgado sentia-se deprimido. Foram anos a testemunhar de perto, demasiado perto, as vidas duras de uns, os dramas de outros, a tragédia de muitos. Foram os casos da ex-Jugoslávia e de várias incursões em África. “Perdi a fé na espécie humana…

Além de ter plantado dois milhões de árvores numa fazenda que tinha sofrido o desmatamento – como no restante estado de Minas Gerais e em tantas regiões do Brasil – e de ter assistido, encantado, ao regresso da biodiversidade, Sebastião Salgado iniciou a empresa – que viria a terminar em 2009 – de captar “as coisas prístinas, os lugares selvagens e as pessoas que ainda vivem de forma tradicional”. O casal delineou uma lista de 30 reportagens, tendo simbolicamente começado nas ilhas Galápagos, local de enorme importância para as teorias evolucionistas de Charles Darwin. Mas foram surgindo alterações, porque viram entretanto “coisas mais interessantes”.

Esta longa viagem não lhe devolveu a fé na humanidade, mas na Terra. “Hoje penso nas formigas, nos cupins, nas baleias… Se nós desaparecermos outras espécies ficam”.

 

Trabalho invisível

 

Lélia Wanick Salgado fez questão de acompanhar, sempre que possível, o marido, embora não tenha ido a todos os lugares nem permanecesse durante todo o tempo. “É muito importante sentir os lugares porque no final sou eu quem conta as histórias”. Sebastião Salgado anda por norma com um assistente – “até por razões de segurança” – e também esteve com o filho Juliano em várias ocasiões devido à rodagem do documentário O Sal da Terra. Mas aconteceu estar períodos a sós com a paisagem e a máquina fotográfica. “No Alasca esteve sozinho porque o guia não o conseguia acompanhar…”. Pequenas histórias não faltam, desde uma viagem em vão ao Butão porque a época das chuvas começou antes de tempo até a um susto com um elefante “que correu em cima dele” na savana.

Terminado o périplo pelas regiões remotas e selvagens, começa o trabalho de Lélia. “Passo o dia a olhar para a parede com fotos”, iniciando um processo de selecção de fotografias em formato 24×30. A triagem tem várias fases e é “muito discutida” com o marido. “Normalmente passo-lhe (a selecção) e se ele gostar muito de alguma que ficou de fora vou tentar que entre. Se não vamos negociar…”. Tudo de forma harmoniosa. “Não há atrito. O que eu sei fazer ele não sabe e o que ele sabe fazer eu não sei, o nosso trabalho complementa-se”.

O resultado final está no livro Génesis. Lançado em 2013 pela Taschen, reúne cinco centenas de fotografias. E no ano passado surgiu a exposição homónima, a um tempo resumo da obra – 245 fotografias – mas em ponto grande.

A exposição está dividida em cinco núcleos: Sul do Planeta, África, Santuários, Terras a Norte e Amazónia e Pantanal. Neste último, vê-se o trabalho de Salgado com quatro tribos da Amazónia. Uma delas, a Zo'é, só foi redescoberta há 20 anos, séculos após os jesuítas os terem avistado (de tal forma que se pensava que esta tribo que usa cones no queixo fazia parte de um mito).

Génesis, a “longa carta de amor ao planeta”, como Salgado tem definido, é um êxito de público (cerca de 2,5 milhões) por onde tem passado. Em Lisboa, está patente até dia 2 de Agosto no Torreão Nascente da Cordoaria Nacional.

 

Índios e café

 

É com os índios que Sebastião Salgado está a trabalhar neste momento. Entre Génesis e este projecto em andamento outro foi realizado. “Apesar de não beber café, o café corre no meu sangue”, conta. Durante 12 anos, o brasileiro andou a fotografar as regiões caféeiras do mundo. O respectivo livro vai ser lançado em Maio e imagens desse trabalho serão expostas na Expo de Milão e em Veneza, durante a Bienal.

Que desafios faltam para o casal Salgado vencer? “Eu tenho 68 anos e ele 71, temos de acalmar”, graceja Lélia. 

 

cesar.avo@sol.pt