Saída de cena tardia de Guterres irrita socialistas

António Guterres quebrou finalmente o tabu sobre a candidatura à Presidência da República. Mas o timing e a forma como o fez deixou alguns socialistas desiludidos.

Saída de cena tardia de Guterres irrita socialistas

“I am not a candidate to be a candidate” (“Não sou candidato a ser candidato”), disse o Alto Comissário da ONU para os Refugiados, numa entrevista à estação de televisão Euronews. Eexplicou porquê: “O que gosto mais de fazer é o tipo de função que tenho actualmente, que permite ter uma acção permanente e directa sobre o que se passa no terreno”.

No PS, houve quem estranhasse que o ‘não’ público de Guterres tenha sido feito em inglês – “uma coisa exótica”, nas palavras de um socialista. A justificação de que o ex-primeiro-ministro prefere estar no terreno também deixou alguns amargos de boca, uma vez que tal passa a imagem de desconsideração  pela mais alta magistratura de Portugal e, por consequência, pelo país.

“A declaração foi toda ela um desastre”, resume um dirigente socialista.

Guterres já tinha comunicado  a António Costa a decisão, mas há meses que o seu silêncio mantinha viva a esperança de alguns socialistas. E, por isso, o anúncio pecou por tardio: “Se sabia que não era candidato, já devia ter dito há mais tempo”, afirma ao SOL outro dirigente do PS.

As críticas são feitas em surdina, pois publicamente os socialistas saem em defesa de Guterres. O ex-ministro Augusto Santos Silva não atribui “importância” à forma como a declaração foi feita, mas nota: “As coisas agora estão definidas”. Já o deputado José Lello desvaloriza, referindo que Guterres “estaria convicto de que a informação já estava assimilada pela opinião pública”. Para o histórico socialista Vera Jardim a tomada de decisão pública foi apenas uma confirmação: “Era certo que não queria ser candidato. É natural que, numa decisão deste tipo, as pessoas tenham as suas dúvidas e admito que tenha estado a pensar algum tempo. Mas tinha para mim que era claro que não regressaria à vida política portuguesa”, refere.

Com o candidato mais consensual na área do PS fora da corrida, o apoio da direcção socialistafoi dado como certo ao independente Sampaio da Nóvoa – um facto que criou divisões no partido e críticas fortíssimas ao ex-reitor da Universidade de Lisboa.

Apesar da clivagem que Sampaio da Nóvoa abriu – com vozes contra, como as do secretário nacional Sérgio Sousa Pinto e do ex-eurodeputado Vital Moreira –, o soarista Vítor Ramalho, um dos que defendeu Nóvoa, acredita que, no fim, o partido unir-se-á em torno do candidato escolhido. “Não tenho dúvidas nenhumas que o partido seguirá o candidato que a direcção apoiar. As pessoas que estão contra ficarão a falar sozinhas e essas vozes deixarão de se ouvir”, diz.

Sampaio da Nóvoa vai apresentar em breve a candidatura, mas o PSsó deverá dar apoio oficial depois das legislativas.

Maria de Belém e… Seguro

As vozes críticas a Sampaio da Nóvoa lançaram o nome de Jaime Gama, mas o ex-presidente da Assembleia da República fez saber que não está disponível. As movimentações para arranjar uma alternativa prosseguem, mas os presidenciáveis escasseiam.

Um dos nomes falados é o de Maria de Belém, apoiada pela ala segurista, mas a ex-presidente do PS está muito relutante em ir contra o secretário-geral. O presidente do Tribunal deContas, Guilherme d’Oliveira Martins, tem sido outro dos nomes sussurrados nos bastidores. E até António José Seguro foi mencionado: “Estou convencido que (Seguro) seria o mais votado à esquerda”, escreveu no Facebook, este sábado, o presidente da Câmara de Almeirim, Pedro Miguel Ribeiro. Sobre o apoio ao ex-líder, acrescentou: “Sinto que é uma posição partilhada por muitos”.

* com M.A.M.