O preso que assaltava bancos

O Correio da Manhã publica coisas horríveis, com as quais me não identifico minimamente e que chegam a causar-me repulsa, mas também tem notícias interessantes que nenhum outro jornal traz. Um destes dias deparei-me com esta notícia extraordinária:

“Tânia Moço traça e vigia os alvos, discutindo os pormenores com Mário Rocha nas visitas que lhe faz em Vale de Judeus, Alcoentre, ou através do telemóvel que o namorado esconde na prisão. E o recluso, já em final de uma pena superior a 20 anos, aproveita as saídas precárias que a Justiça lhe dá para assaltar bancos à mão armada na Grande Lisboa”.

Segundo o jornal, dez agências (Av. de Roma e Av. da Igreja, em Lisboa, Forte da Casa, em Vila Franca de Xira, Alverca, Fogueteiro, Carnaxide, Monte Abraão, em Sintra, Benavente, Carregado e Mem Martins) foram assaltadas desde Janeiro de 2014, rendendo 20 mil euros. Continua o CM:

“O assaltante, de 49 anos, foi ontem apanhado em flagrante numa operação da Unidade Nacional de Contraterrorismo, da Polícia Judiciária, quando fazia o seu décimo ataque a um banco, pelas 11h30, em Mem Martins, Sintra. Já regressou ao meio prisional, onde viveu grande parte da sua vida, perdendo agora as benesses das saídas precárias e o telemóvel, com internet, que escondia na cela. Mário Rocha geria, inclusive, a partir da cadeia, a sua página de Facebook”.

E a notícia conclui:

“Quanto a Tânia, namorada do assaltante, com 35 anos, também foi ontem detida por suspeita de participação nos crimes. Além de ser a mentora dos roubos, escolhendo os bancos a atacar, é a condutora nos assaltos – transportando o cúmplice e esperando por ele no carro, com o qual arrancam depois os dois a alta velocidade”.

Noutra notícia associada, podia ler-se: “Mário Rocha tem uma canção de sua autoria no YouTube, intitulada De Ti. 'Tantos anos separados, por erros do passado. Não quero mais viver assim, longe de ti'“.

De facto, Mário Rocha estava quase a terminar a pena e ia sair brevemente da prisão, regressando aos braços da amada. Só que, apesar do que diz a letra da canção, continuou a cometer até hoje os ditos “erros” que o tinham levado à cadeia – e agora vai permanecer mais uns bons anos atrás das grades.

Esta história dava um filme. É uma espécie de Bonnie and Clyde, um casal que assalta bancos, mas com ingredientes que tornam o enredo muito mais insólito e rocambolesco: é que Mário Rocha assaltava agências bancárias estando preso, o que o colocava à partida fora da lista dos suspeitos. Com o pequeno senão da coincidência entre as suas saídas precárias e os assaltos – mas não sei se a Polícia chegou a estabelecer essa relação.

Dá vontade de fazer paródia com este caso. Um homem que a partir da prisão alimenta a sua página no Facebook e contacta com o mundo, que tem uma música com a sua história no YouTube, e que aproveita as visitas da namorada para combinar assaltos a bancos, é uma notável personagem cinematográfica.

Mas o problema é sério. E não me refiro apenas a este indivíduo – mas a todos os que estão presos e que, quando saem, muito dificilmente conseguem libertar-se do mundo do crime. E, com mais dificuldade ainda, consegue reintegrar-se na sociedade.

Num país com tanto desemprego, quem é que emprega um ex-presidiário? Quem confia num homem que fez assaltos, fraudes ou matou mesmo pessoas com as próprias mãos?

E quando um ex-presidiário não consegue arranjar trabalho, tornou-se um potencial delinquente. Até porque muitas vezes a família o abandonou: a mulher deixou-o, os filhos esqueceram-no, os pais deixaram de lhe falar. E todos os conhecimentos que ele tem cá fora são ligados ao crime. Como é que um homem destes se vai reintegrar?

Este é um dos problemas sérios da nossa sociedade. É evidente que os criminosos têm de ser julgados e condenados. Têm de cumprir penas pelo que fizeram. Mas a reinserção na sociedade é absolutamente decisiva, caso contrário vão continuar a cometer crimes pelo resto da vida. Até porque, como todos sabemos, as prisões são muitas vezes escolas de delinquência em lugar de serem locais de regeneração. Os presos saem de lá piores do que eram quando entraram.

É certo que em muitas prisões há aulas e que os detidos podem ir progredindo escolarmente. E também podem frequentar cursos profissionais e trabalhar em oficinas, exercitando os seus métiers de origem. Isso já é importante.

Mas o mais importante de tudo é mesmo a reintegração, a reinserção na sociedade a todos os níveis – profissional, social e familiar. Sem isso, a probabilidade de um delinquente voltar ao mundo do crime é enorme.

Só que o caminho para o conseguir é demasiado duro e difícil. Para se reintegrar, um ex-presidiário vai ter de constituir outra família, de procurar outro círculo de amigos, de encontrar emprego. Quantos têm força para o fazer?

A história de Mário Rocha é extraordinária pelo facto de executar assaltos durante o próprio período em que cumpria pena de prisão. Mas as histórias de gente que sai das prisões e não encontra alternativa senão voltar à vida anterior, porque todas as portas se lhe fecham, são inúmeras. Assim, o Estado tem de se ocupar seriamente deste tema. Todos os dias as cadeias lançam na rua potenciais delinquentes – e o perigo que isso representa para a sociedade é enorme.

Uma das grandes vantagens de Portugal, no turismo mas não só, é ser um país relativamente seguro, quando comparado com outros do chamado terceiro mundo e mesmo com alguns da Europa. Se perdermos esta vantagem, se nos tornarmos um local perigoso, a nossa imagem como país e como destino turístico atractivo vai por água abaixo.

Mas o principal problema é mesmo o drama de quem, tendo cumprido uma pena de prisão, não vê qualquer futuro à sua frente.

jas@sol.pt