Não é uma proposta miraculosa nem isenta de ambiguidades ou contradições – TSU, regime de pensões, flexibilidade laboral, por exemplo -, onde é notório um equilíbrio instável entre o optimismo de algumas medidas e as incertezas internas e externas que pairam sobre a economia portuguesa e o futuro do euro (agudizadas, entretanto, pelo imbróglio grego). Mas tem, pelo menos, a vantagem de propor uma alternativa razoável – embora por vezes minimalista – à recusa de alternativas em que assenta a actual política do Governo e a sua evolução nos próximos anos.
Não é um documento de ruptura, susceptível de ser frontalmente rejeitado pelas instâncias europeias e o FMI, sobretudo depois da experiência da Grécia. Pelo contrário, são vários os sinais de busca de compromissos dentro dos limites do Tratado Orçamental. Mas um dos desafios principais que se lhe colocam passa precisamente por aí: até que ponto será possível conciliar a construção de uma alternativa à paralisia do país – uma alternativa muito comedida e não aventurosa, insista-se – com o colete-de-forças orçamental vigente?
Isso levanta outras questões: o alívio da pressão asfixiante em que vivemos não dependerá, em última análise, de uma revisão da actual ortodoxia castradora do crescimento à escala europeia? Enquanto não se alterar a presente relação de forças a nível europeu, haverá futuro para uma Europa ameaçada de declínio, irrelevância e até de morte à vista, como mostra a sua incapacidade de lidar com a impensável tragédia humanitária no Mediterrâneo?
Dito isto, o peso de tantos constrangimentos não deve inibir um partido de Oposição com expectativas legítimas de vir a ser governo de propor ao eleitorado caminhos diferentes daqueles que têm sido seguidos (e, segundo a sensibilidade maioritária dos cidadãos, com manifesto prejuízo para o país).
Se o valor do voto popular fica reduzido a zero – ou à escolha entre o que existe e um mero simulacro de mudança – a democracia vê-se definitivamente esvaziada de legitimidade e sentido, enquanto se assiste ao crescimento vertiginoso da abstenção, à impotência de uma esquerda radical minoritária, ou à ameaça das forças retrógradas, extremistas e xenófobas que vão aumentando a sua implantação através da Europa.
Paralelamente, há outros fenómenos como o Syriza na Grécia ou o Podemos em Espanha, que confirmam a crise de representação dos chamados partidos democráticos tradicionais. Mas se em Portugal não chegámos ainda a esses cenários, parece duvidoso que a nossa 'especificidade histórica' resista a uma próxima constatação de não existirem verdadeiras alternativas de escolha entre os partidos com vocação governativa, como o PSD e o PS.
É sintomático que, antes mesmo de ser concluída a sua apresentação, já o relatório dos 12 economistas escolhidos pelo PS, Uma Década para Portugal, tenha suscitado reacções tão exaltadas de deputados da maioria ou jornalistas encartados no papel de talibãs do regime, para os quais a política do actual Governo tem de ser religiosamente seguida por falta absoluta de alternativas.
Já não lhes ocorre sequer interrogarem-se para que serve a opinião pública ou a liberdade de imprensa se a democracia estiver condenada a um pensamento único e indiscutível. O sectarismo e a cegueira ideológica tornaram-se filhos dilectos da ortodoxia austeritária que tem conduzido Portugal e a Europa a um beco sem saída.
Ora, para além dos seus óbvios limites e contradições, o documento que deverá informar o programa económico do PS tem, pelo menos, a vantagem de mostrar que o debate democrático não morreu em Portugal e que o principal partido da Oposição vai disputar as próximas eleições com ideias e propostas que se distinguem claramente da actual maioria.
Se o presente contexto europeu condiciona a viabilidade de algumas dessas propostas, o mínimo que se deve esperar de quem pretende defender a alternância governativa e as alternativas programáticas às políticas vigentes é que se bata consequentemente pelo direito em afirmá-las no terreno interno e externo, construindo para esse efeito a rede de alianças possíveis.
Para já, a descompressão da sociedade e o tempo para respirar são factores fundamentais de mudança no clima económico e psicológico de um país profundamente deprimido.