Desde o visto prévio dos media para a campanha eleitoral, passando por outro visto prévio a que se pretende submeter o programa macroeconómico do PS, a greve dos pilotos da TAP, até à demissão do coordenador-geral das actividades artísticas da Gulbenkian, não têm faltado casos de uma contagiante insensatez.
Não é preciso ser jornalista ou prescindir de ter uma opinião muito crítica sobre a qualidade média do jornalismo praticado hoje em Portugal (é o meu caso) para concluir que o planeado visto prévio dos media sobre a cobertura da próxima campanha eleitoral constitui um atentado à liberdade de imprensa e um acto de «estranha estupidez», como referia João Miguel Tavares no Público da passada terça-feira.
Chega a ser incrível como três partidos habitualmente desavindos se coligaram para ressuscitar o fantasma da censura salazarista e, com esse edificante propósito, procuraram concretizar um plano que, em termos técnicos e práticos, se mostra absolutamente inaplicável.
O jornalismo não se resume a um registo notarial e, por isso, é de uma enormidade sem nome que três deputados de um parlamento democrático pensem ser possível exercer um policiamento prévio sobre a actividade jornalística.
Pior do que isso, porém, é que uma iniciativa tão absurda possa ter sido legitimada pelos respectivos partidos (o PS, o PSD e o CDS) ou, pelo menos, as suas direcções parlamentares. Eis uma matéria que cabe aos jornalistas investigar a fundo, porque está em causa a saúde democrática do regime – e até a sanidade mental dos responsáveis políticos.
Mas a tentação dos vistos prévios parece alargar-se agora à fiscalização dos programas partidários. E, coisa nunca vista, o PSD pretende que o estudo encomendado pelo PS a um grupo de 12 economistas seja submetido a um exame da UTAO para aferir da sua viabilidade.
Mesmo que os economistas em causa se sujeitem livremente a esse exame, está criado um precedente perigoso que ultrapassa o âmbito das competências parlamentares e da liberdade de escolha eleitoral (porque não estender o exame prévio ao conjunto dos programas partidários?).
O exercício, além de claramente abusivo, acaba por ser também estúpido, pois, na ausência de um parecer inquestionável, o mais certo é o feitiço virar-se contra o feiticeiro.
Já a greve dos pilotos da TAP não é apenas a última manifestação de autismo corporativo de uma casta privilegiada. A anunciada privatização da empresa torna a greve particularmente suspeita mas também desprovida de sentido. Os pilotos querem ser accionistas de vinte por cento de uma companhia cujo capital corre o risco de uma desvalorização vertiginosa?
Mas o problema da TAP é bem mais fundo e a solução mágica da privatização, no contexto em que decorre, ameaça os interesses estratégicos do país. A isso não será estranha a actual administração, cujo presidente, Fernando Pinto, outrora responsável pela recuperação da empresa, é hoje – depois de uma permanência demasiado longa no cargo – candidato a seu coveiro, na sequência de operações erráticas e ruinosas como a unidade de manutenção no Brasil.
Além disso, em vez da atitude discreta e neutra que o seu estatuto recomendava, Pinto tornou-se um arauto da privatização, deixando trair conflitos de interesses em que nunca deveria ter-se envolvido. Não haverá na TAP demasiadas cabeças perdidas?
Cabeças perdidas parece também havê-las na Gulbenkian, cuja administração escolhera para coordenador-geral das actividades artísticas da Fundação o antigo director da Culturgest, António Pinto Ribeiro. Só que, pelos vistos, nem nomeado nem nomeadores tiveram o elementaríssimo bom senso de esclarecer previamente as competências específicas e as opções estratégicas de quem, supostamente, iria superintender às actividades do museu Gulbenkian – para o qual acaba de ser nomeada uma nova directora –, do Centro de Arte Moderna e do sector musical da Fundação.
Não seria gente a mais a mandar na mesma casa, sem que se percebesse a função de Pinto Ribeiro e o futuro dos planos majestáticos que chegou a acalentar? Resultado: acusações de Ribeiro contra o «autoritarismo» do presidente da Fundação, Santos Silva, demissão do coordenador-geral que nunca chegou a sê-lo e, por fim, rescisão imediata do seu contrato decidida pela Administração. Não serão cabeças perdidas em excesso numa instituição tão venerável?