O Jardim de Santa Bárbara

Quando era miúdo adorava ir com a minha mãe ao café. Era um hábito social enraizado esse de ir tomar café depois do almoço ou de tomar um chá a meio da tarde, pretexto para as pessoas se encontrarem e trocarem dois dedos de conversa. 

Nesses anos a minha mãe encontrava-se com as amigas sobretudo na Lusitana, uma moderna pastelaria, salão de chá e snack-bar à inglesa encostada ao Jardim de Santa Bárbara, onde parava a juventude dourada da geração ié-ié, com os seus Triumph, MG ou Alfa Romeo descapotáveis a desfilarem perante raparigas de fita no cabelo e mini-saia. Eu ficava a olhar para aqueles bólides, a ouvir-lhes o roncar do motor, enquanto a minha mãe conversava com as amigas. 

Apesar de situada em pleno centro histórico de Braga, a Lusitana fazia parte da sua modernidade. Instalada no rés-do-chão de um edifício de esquina arredondada destinado exclusivamente a consultórios, com a palavra 'Médicos' escrita em grandes letras negras sobre a porta virada para o jardim, e as suas amplas vidraças em curva a criarem uma ilusão de ligação com o exterior, parecia pertencer a outra urbe que não a idolátrica capital do Minho. 

Também a rua onde se localizava, assim como a perpendicular que delimitava o jardim a Norte, eram arruamentos novos, abertos no final da primeira metade do século. O próprio Jardim de Santa Bárbara tinha sido criado depois disso, em 1955, no gaveto de meio hectare formado por essas duas vias. Mas estranhamente, era com este hodierno jardim – e não com a Catedral ou com o Arco da Porta Nova ou com o conjunto monumental da Arcada – que a cidade gostava de se projectar para o exterior, apresentando uma imagem de contemporaneidade a conviver com a História. 

De facto, o Jardim de Santa Bárbara obedecia a uma intrincada composição geométrica de canteiros floridos – dizem que inspirada nos motivos dos tapetes persas -, espalhados à volta de um chafariz. Este, transladado do antigo Convento dos Remédios demolido em 1911, tinha um tanque octogonal, e a coluna central era encimada por uma estátua de Santa Bárbara, que deu o nome ao jardim. 

Era um jardim eternamente florido, independentemente da estação do ano, com as cores em constante mutação a acompanharem a renovação dos canteiros. 

Ao fundo, num nível inferior, a enquadrar o tapete colorido, havia um vetusto pátio num cenário de ruínas espalhadas por entre canteiros de buxo – de onde sobressaíam os restos de uma arcaria pertencente ao antigo paço medieval. Tudo isto envolvia o corpo oriental do Paço Arquiepiscopal, de origem medieval e gótica, mas reconstruído em 1939 segundo modelos neogóticos. À sua fachada, em granito aparelhado, foram acrescentadas ameias e janelas maineladas em arco quebrado. 

Apesar de ainda hoje o Jardim de Santa Bárbara se apresentar desta mesma forma, com a beleza ofuscante da sua geometria colorida encaixilhada pela sobriedade neogótica do paço dos arcebispos – apenas as ruas circundantes passaram a ser pedonais -, o certo é que foi perdendo o cariz de ex-libris da cidade. Deixou de ser moderno.