Falta de maioria absoluta deixa de ser tabu no Rato

Dirigentes socialistas não descartam que o PS tenha de governar em maioria relativa. Teoria alarmista de António Costa serviu para mandar recados a Cavaco.

Na cartilha oficial do PS, a missão é a maioria absoluta. Mas um cenário de maioria relativa já é admitido por dirigentes socialistas, mais ainda quando as possibilidades de uma coligação permanecem uma miragem. A dramatização de António Costa – ao dizer que ou o PS tem maioria absoluta ou haverá um Governo de gestão até Fevereiro ou Abril de 2016 – constituiu um recado ao Presidente da República.

A preparação para um resultado mais modesto está em marcha. As sondagens ainda dão o PS a alguma distância da maioria absoluta e o parceiro de coligação preferencial, a plataforma Livre/Tempo de Avançar, não chega para atingir esse objectivo. Com a direita excluída e PCP e BE a auto-excluírem-se, um Governo de maioria relativa começa a ter que entrar nas contas dos socialistas. E a estratégia é agora a da desvalorização: «Se não houver maioria absoluta, não vem mal ao mundo uma maioria relativa», afirma ao SOL um dirigente socialista próximo de Costa. A experiência do secretário-geral do PS na Câmara de Lisboa, onde governou sem maioria, também é lembrada pela mesma fonte e entra neste novo discurso.

Em entrevista ao SOL, na semana passada, outro dirigente próximo do líder do PS, Duarte Cordeiro, dizia não «diabolizar» este cenário. «O PS deve procurar a maioria absoluta e não diabolizo o cenário de maioria relativa», disse. O número dois na Câmara de Lisboa frisou também a experiência de António Costa que lhe dá garantias de saber como governar num cenário de maior instabilidade.

Já o ex-ministro Augusto Santos Silva considera que, a haver uma maioria relativa, o PS «deve exigir condições de governabilidade», nomeadamente a aprovação do Orçamento do Estado. Ao lembrar a sua experiência em governos minoritários – ­ primeiro com António Guterres e depois com José Sócrates ­– diz ter «medo» de uma solução governativa minoritária sem «garantias mínimas».

Augusto Santos Silva defende que se tem de respeitar a decisão do eleitorado: os partidos devem «interpretar o resultado das eleições, construir acordos e alcançar a governabilidade». Nesse sentido, explica que se sente «mais próximo» do modelo alemão e do Norte da Europa – em que a formação de governos minoritários, que são respeitados pela oposição, acontece com maior frequência. Apesar disso, lembra que em Portugal «a tradição não é essa». 

Quanto a possíveis coligações do PS, Santos Silva é claro: o PDR de Marinho Pinto tem sido «sempre contra a pessoa de António Costa», o PCP considera o PS «farinha do mesmo saco» que a direita e o BE já disse que não era possível um entendimento. À direita, o líder socialista tem vindo a recusar qualquer acordo com quem quer prosseguir as políticas de austeridade.

Um recado a Cavaco

Nos últimos dias, António Costa dramatizou o discurso e a estratégia tem passado por uma bipolarização com a direita. Em entrevista ao Observador, o secretário-geral do PS afirmou que, «ou dão condições de governação maioritária ao PS, ou terão de ver arrastar em agonia a actual coligação, em Governo de gestão, pelo menos até Fevereiro do próximo ano». E, se houver segunda volta nas presidenciais, até Abril – palavras que foram um recado para o Presidente da República. Cavaco Silva tinha avisado, numa entrevista ao Expresso, que «o próximo Governo não pode deixar de ter o apoio maioritário da Assembleia». 

Caso uma maioria fique fora do alcance, Costa quer deixar claro a Cavaco que o PS pode governar noutros cenários e que, se o Presidente não lhe der posse mesmo sendo o mais votado, então a única hipótese será manter o actual Governo em gestão. «O Presidente não vai querer comprar uma guerra e criar uma indefinição», comenta um dirigente socialista. Além disso, esta estratégia de ‘ou o PS ou a direita’ ajuda o discurso da bipolarização. «As pessoas começam a perceber que  derrotar o PSD e o CDS implica votar PS. Isto leva à bipolarização que é favorável à maioria absoluta», acredita o mesmo dirigente.

Para Augusto Santos Silva, a quatro meses das eleições, «é natural que os partidos elevem a fasquia». E que, tendo o PS já apresentado o essencial das suas propostas, comece a preparar uma estratégia eleitoral e a dramatizar o discurso.

sonia.cerdeira@sol.pt