Amarrados às operadoras

Em apenas cinco meses, a Deco recebeu 7.500 queixas por problemas com o período de fidelização. A Comissão Europeia vai apertar a vigilância aos contratos e impor prazos menos prolongados.

A troca de operador de telecomunicações está a tirar o sono a muitas famílias em Portugal. Só nos primeiros cinco meses do ano, a Deco recebeu quase 7.500 reclamações relacionadas com períodos de fidelização impostos pelas empresas – geralmente de 24 meses, o máximo previsto na lei. O descontentamento está a fazer eco nas entidades reguladoras e a Comissão Europeia vai apertar as regras dos contratos estabelecidos com os clientes, nomeadamente a duração dos períodos de fidelização.

Em Portugal estão em causa os principais fornecedores de telecomunicações – como a Meo e Nos –, que são alvo de queixas por dificultarem a transferência para operadores de menor dimensão.

Portugal é, aliás, um dos poucos países da Europa em que existe um período máximo tão grande para fidelizações ­– dois anos, sempre o escolhido pelas operadoras. Ao SOL, fonte oficial da Comissão Europeia assegurou que a equipa de Juncker «está atenta à necessidade de defender os direitos dos consumidores». Embora caiba aos Estados-membros transpor as leis europeias, a legislação comunitária vai ser alvo de alterações no próximo ano. «A comissão vai analisar medidas específicas a serem tidas em conta para proteger os consumidores, no que se refere às exigências dos contratos com as operadoras e à sua duração e término», adianta a mesma fonte.

Os problemas, explica fonte da Deco, são «recorrentes»: a não comunicação e o consequente «desconhecimento da existência de um período de fidelização por parte do consumidor; o aproveitamento pelas operadoras de qualquer contacto com o consumidor para considerar o início de um período de fidelização»; a aplicação de período de fidelização «sem a vantagem correspondente» e a exigência dos valores correspondentes ao período em falta quando o consumidor põe termo ao contrato antes do previsto, seja qual for o motivo.

Um dos casos mais recentes, conta Diogo Nunes, jurista da associação de defesa dos consumidores, prende-se com um divórcio. «A morada em que o serviço é prestado está no contrato. Porém, quando o consumidor justifica a alteração da sua residência por uma mudança nas suas circunstâncias – como é o caso do divórcio – a operadora deve ter essa alteração em conta», explica.

A operadora deste consumidor não o fez, inicialmente. Considerou estar a ser violado o período de fidelização e pediu o pagamento do período que ainda faltava. Com a intervenção da Deco, a empresa recuou: «O consumidor conseguiu cancelar o contrato sem qualquer penalização».

Outra alteração de morada justificada pelas circunstâncias e que implica a resolução do contrato é, por exemplo, uma mudança de local de trabalho que obrigue o cliente a mudar de casa.

Um dos casos mais flagrantes que chegaram à Associação de Consumidores de Portugal (ACOP) aconteceu em Coimbra com uma jurista brasileira, do Rio Grande do Sul, que foi viver para aquela cidade no âmbito do programa de Erasmus com a universidade. «É comum as operadoras abordarem estudantes estrangeiros, garantindo-lhes que no seu caso não há fidelização. Mas quando pretendem desvincular-se porque vão embora, exigem-lhes os valores em falta correspondem aos 24 meses, o período máximo de fidelização previsto na lei», conta o presidente da ACOP, Mário Frota.

Também neste caso a operadora acabou por desistir da cobrança, após um longo período de negociações, acrescenta o responsável. Mas a maioria dos consumidores, menos informados, vê-se obrigada a pagar montantes correspondentes às prestações em falta no contrato e que, segundo a Deco e a ACOP, oscilam normalmente entre 600 e mil euros.

Tribunais arbitrais e julgados de paz resolvem casos

É sobretudo o desconhecimento das condições do contrato que leva os consumidores a pedir ajuda às associações. «Na maioria das vezes, as operadoras aproveitam qualquer contacto com o cliente para fidelizá-lo por mais tempo», conta Diogo Nunes, da Deco, dando como exemplo a mudança de um pacote dual play – que inclui TV e internet – para triple play, que já abrange o serviço móvel. «Não há qualquer encargo adicional por parte da operadora, que não tem os custos de instalação correspondentes. Porém, aproveita para inciar novo período de fidelização de um ou dois anos», acusa. Na maioria das vezes, o consumidor não é avisado da nova fidelização – o que é ilegal.

E esse desconhecimento é muitas vezes aproveitado para manter os clientes ‘amarrados’, retirando mobilidade ao mercado, acrescenta o jurista da Deco.

Mário Frota, da ACOP, acrescenta que não são respeitados os princípios de «defesa dos direitos económicos do consumidor» e da «proporcionalidade».

Porém, «ao perceberem que os consumidores estão informados sobre os seus direitos», refere Diogo Nunes, «as operadores acabam por recuar e aceitam resolver os contratos sem penalizar os clientes». Daí que a Deco registe uma elevada taxa de sucesso nos casos que mediou. A ACOP tem uma experiência semelhante.

Por norma, os casos são resolvidos em tribunais arbitrais ou julgados de paz – o que leva em média dois meses.

sonia.balasteiro@sol.pt