Na verdade, os gandareses fizeram a Gândara, fertilizaram os campos arenosos tornando-os produtivos, criaram uma barreira verde plantando várias espécies junto ao mar, permitindo alguma protecção das culturas dos ventos fortes e corrosivos do mar, e procuraram culturas que se adaptassem às condições geográficas daquele inóspito local. Foi a teimosia, o esforço e a convicção dos gandareses que fizeram da Gândara uma região rica, densamente povoada e plena de tradições culturais. Talvez a crença e a convicção dos gandareses seja o que explica a nossa ligação à terra que nos viu nascer ou que nos acolheu na nossa viagem em busca de um lar. Talvez seja por isso, que após as vagas migratórias que a Gândara conheceu, muitos tenham regressado, dando a entender que se ausentaram apenas para sentir saudade, apenas para terem oportunidade de regressar.
É um apego e um orgulho à terra que os homens fizeram fértil, ao mar ali tão perto, à floresta que se criou. Foi este apego e este orgulho que levaram à constituição da Confraria dos Aromas e Sabores Gandareses há uma década por um grupo de tochenses. A gastronomia local, rica na diversidade e na qualidade, deu o mote para a constituição desta confraria sediada na Tocha. Contudo, a par da afirmação da memória gastronómica, quiseram os confrades que a aproximação entre comunidades e entre pessoas fizesse parte dos objectivos cimeiros desta Confraria. É notório a crença nos homens, na humanidade, naquilo que nos faz ser mais alma que matéria, pois para estes confrades a Confraria seria motivo de encontro entre pessoas gerando “sempre a aquisição de novos conhecimentos e novas amizades fortalecendo as já existentes”. De facto, quem conhece esta Confraria sente a amizade como um motivo da sua existência, um elo entre os confrades, uma aproximação às outras confrarias e aos outros grupos associativos. A Confraria dos Aromas e Sabores Gandareses é, sem dúvida, sinónimo de amizade e de boa confraternização sendo que a ligação entre os membros do grupo e entre o grupo e os outros está sempre em primeiro lugar.
A Gândara é um mundo que tem mundo, pela forma como nasceu, como evoluiu, como prendeu, como cresceu. Também na gastronomia esse mundo se sente e nos prende a atenção pelos sabores, aromas e texturas da Gândara. É essa riqueza que a Confraria divulga e não deixa esquecer, sobretudo, quando realiza o seu capítulo. Em Terras Gandaresas nasceu uma gastronomia rica, diversa e suculenta que mostra a arte e o engenho das gentes que ali cresceram. A ligação ao mar faz-se sentir pelas sardinhas assadas na telha, pela caldeirada de peixe, pela raia de pitau, pelo robalo ao sal e pelo bom peixe cozinhado de tantas e diversas formas. A ligação à terra sente-se na broa de milho, na sopa gandaresa, nas favas, no carneiro de casamento e nas inúmeras maneiras de cozinhar os produtos da terra e os animais de capoeira. São sabores fortes e intensos, é uma gastronomia de peso que sustentava o esforço de um trabalho árduo nas terras ou no mar. As práticas da Arte Xávega, ainda hoje utilizadas para a captura de peixe, eram antecedidas ou precedidas de um almoço feito ali mesmo na praia. As batatas com pele eram cozinhadas na areia aquecida com a ajuda de uma fogueira que, depois, serviria para assar as sardinhas ou o bacalhau. Com os recursos que tinham, faziam um almoço delicioso acompanhado da broa de milho. É caso para dizer que não existem limites para a criação humana no que respeita à gastronomia e, isso, é muito visível na Gândara, local onde se procurou tirar partido do mar e da terra.
Longe dos tempos difíceis de outrora, a Gândara é hoje território de grande desenvolvimento, em que as principais actividades económicas estão ligadas aos sectores primário e terciário. A Tocha evidencia-se pela pujança económica, sendo que é no Verão que adquire maior destaque, com a procura da praia como espaço de lazer. Contemplada, vários anos consecutivos com bandeira azul, a praia da Tocha é destino de férias de muitos que ali procuram não só a calma a tranquilidade dos dias de Verão, como também a tipicidade de um local que soube manter os traços principais do seu passado. Os palheiros da Tocha, outrora habitação remediada dos pescadores, é hoje motivo de atracção turística mantendo uma singularidade no que respeita aos espaços habitacionais.
Nas cerimónias capitulares, motivo de encontro, quer entre confrades que a vida levou para outros locais, quer com outras confrarias com quem se criaram laços de profunda amizade, a Confraria dos Sabores e Aromas Gandareses surpreende sempre pela espontaneidade e simplicidade do momento. Tudo o que importa está lá. As pessoas que se juntam, a cerimónia que se sente, a gastronomia que nos arregala os sentidos e nos diz o que é a gastronomia tradicional. No final, esta Confraria continua a surpreender pela humanidade que transpira na sua actividade. Todos os proventos conseguidos são encaminhados para instituições de solidariedade social ou para os mais carenciados. É a fraternidade, penhor e elo entre confrades, ao seu mais alto nível. É a solidariedade que enternece e nos faz admirar estes homens e mulheres da Gândara. É uma forma de viver Confraria que é exemplo para todos os que escolhem a fraternidade como modo de vida.
* presidente das confrarias gastronómicas portuguesas