O Estado pretendia encaixar mais do que os 40 milhões de euros pagos inicialmente pelo BIC. No contrato assinado com as Finanças, o BIC comprometeu-se a um pagamento adicional caso tivesse um lucro acumulado superior a 60 milhões de euros, ao fim de cinco anos após a data da celebração do contrato.
A dois anos de se esgotar o prazo definido, os resultados do BIC estão muito longe de atingir esse patamar. Mira Amaral considera “improvável” atingir aquele patamar e apresenta dois argumentos para descartar qualquer pagamento adicional pelo BPN. Por um lado, o fraco crescimento da economia portuguesa penalizou a actividade bancária e impediu os bancos de registarem um desempenho positivo. Por outro, o Estado já recebeu mais do que era suposto.
“O acordo previa que o Banco BIC assegurasse a integração de um mínimo de 750 trabalhadores do BPN e nós ficámos com 1.200 colaboradores. O Estado teria pago mais em indemnizações. As Finanças devem estar satisfeitas, já que desembolsaram muito menos do que estavam à espera. Por isso, e como na vida não se pode ter tudo, um valor já compensou o outro”.
Contas positivas
O presidente da instituição confessa que a aquisição do BPN foi uma missão de tal forma complexa que até lhe valeu um esgotamento cerebral. “Comprámos um banco numa situação muito difícil, mas apesar de tudo já estamos a registar lucros, quando os outros bancos ainda têm prejuízos. Executei a decisão dos meus accionistas e, neste momento, a digestão do BPN está feita”.
Em 2012, o grupo luso-angolano registou um prejuízo de 7,96 milhões de euros. Em 2013, a instituição inverteu os resultados e lucrou 2,5 milhões de euros. Já no ano passado, a exposição a empresas do Grupo Espírito Santo penalizou as contas e fixou o lucro em apenas 1,1 milhões de euros. Assim, desde a compra, o BIC soma apenas 3,6 milhões de euros de lucro.
“Este ano, estamos a ganhar cerca de um milhão de euros mensais. Os resultados são positivos, embora não são sejam ainda aqueles que ambicionamos”, adianta.
O BIC não assume o papel de devedor do Estado, mas de credor. Na conversa com o SOL, o banqueiro sublinha que há vários assuntos pendentes relativos à aquisição do BPN, sobre os quais não foi possível chegar a um acordo com o Estado. Para resolver as divergências está já criada uma comissão arbitral, um mecanismo de resolução de litígios previsto no contrato assinado entre o BIC e o Estado. “Devem-nos dinheiro. Há verbas que o BIC entende que o Estado deve pagar. Perante a recusa das Finanças, a comissão arbitral decidirá quem tem razão”, explica.
Entre os assuntos pendentes está a devolução de créditos em incumprimento que passaram para o balanço do BIC, mas que o banco luso-angolano entende que deveriam ter ficado na esfera estatal – como ficaram outros créditos de cobrança duvidosa. O BIC queixa-se de ter recebido “informação incompleta”.
52 milhões por receber
O gestor não quis revelar qual o montante em causa nos diferendos com o Estado, mas frisou que tem “relevância material”.
O relatório e contas do BIC permite ter uma noção da dívida do Estado. O BIC “tem 52 milhões de euros a receber de entidades controladas pelo Estado, no âmbito do acordo-quadro e do contrato de compra e venda”. Apesar de ser um valor elevado e superior ao montante pago pelo BPN, a verdade é que esta verba já foi bem superior. Em 2013, o BIC reclamava 115 milhões de euros junto do Estado.
O acordo assinado com o Estado prevê que o banco de capitais luso-angolanos assuma o pagamento dos montantes reclamados judicialmente por clientes, credores ou ex-colaboradores sobre o ex-BPN, enviando depois as facturas para o Tesouro, que lhe deverá restituir as verbas em causa. “A resolução destas questões tem sido pacífica. O Tesouro tem pago os valores em dívida, embora às vezes com um atraso. Mas compreendemos a dificuldade do Estado”.
O SOL pediu esclarecimentos ao Ministério das Finanças, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.
Maria Luís Albuquerque chegou a revelar publicamente que o contrato de venda do BPN ao BIC previa 158 milhões de euros para responsabilidades contigentes. Já no Orçamento do Estado para este ano foram inscritas despesas com a reprivatização do BPN no valor de 28,5 milhões de euros, mais 87,5% face a 2014.
Gestão da CGD criticada
Mira Amaral refuta a ideia de que a aquisição do BPN tenha sido vantajosa para o BIC. “Dizem que foi um óptimo negócio, mas é mentira. Pagámos mais do que deveríamos ter pago face ao estado em que recebemos o BPN. Era um banco parado no tempo, com pessoas totalmente desmotivadas e sistemas de informação de 2003”. E aponta responsáveis: “Já todos percebemos como funcionou a gestão de Oliveira Costa, mas ainda está por contar a história sobre a forma como a Caixa Geral de Depósitos delapidou o valor do BPN”.
O BPN foi nacionalizado em Novembro de 2008, na sequência de perdas acumuladas pelo banco e ausência de liquidez. A iminência de uma ruptura de pagamentos ameaçava as poupanças dos depositantes e, no entendimento do Governo de então, a estabilidade do sistema financeiro.
O universo BIC teve a sua origem em Angola em 2005, expandindo-se para Portugal em 2008. Actualmente, encontra-se a ultimar a abertura de um banco comercial na Namíbia, estando planeado abrir um banco comercial na China e começar operações no Zimbabué, na Zâmbia e nos dois Congos.
Mira Amaral comemora 70 anos em Dezembro, numa altura em que termina o segundo mandato à frente do BIC. Numa entrevista recente ao Expresso, o gestor assumiu estar disponível para sair. “É útil e sábio que os meus accionistas comecem a pensar num plano de sucessão”.