O FMI toca sempre duas vezes
Já houve um Governo que deu um aumento de 22% aos funcionários públicos em tempos de austeridade, e não foi na Grécia. Aconteceu em Portugal em 1985, ano em que o país disse adeus ao FMI depois de um programa que trouxe um enorme aperto de cinto.
No rescaldo de crises petrolíferas e da agitação pós-25 Abril, Portugal pediu empréstimos de emergência ao FMIe os técnicos de Washington aterraram na Portela em 1977 e 1983.
Houve algumas subidas de impostos, mas o controlo das contas era feito sobretudo com a desvalorização do escudo – o choque de adrenalina nas exportações fazia subir o PIB. O reverso eram as importações de muitos bens de primeira necessidade, que encareciam. Os aumentos salariais de 22% foram na realidade uma medida de contenção: como a inflação atingiu quase 30% naquele período, as famílias estavam a perder poder de compra e o Estado a poupar.
Três décadas depois, Portugal volta a estar num momento de saída do FMI, embora o figurino seja diferente. Sem a possibilidade de desvalorizar a moeda, o ajustamento implicou uma entrada a pés juntos: cortes de salários e de pensões. E mais alguns impostos.
J.M.
Adeus às notas de 20 ‘paus’
Quem já esteve em países com problemas de inflação sabe que há um incómodo no dia-a-dia: as moedas e notas desvalorizam tão rapidamente que é preciso andar com uma mala de dinheiro para comprar coisas tão banais como um refrigerante importado.
Portugal não andou longe desse cenário. A nota de valor mais baixo em 1985 era de 20 escudos, que nem um maço de tabaco conseguia comprar. Hoje, seria o equivalente a existir uma nota de 40 cêntimos. Um ano depois do tratado de adesão à CEE, saiu de circulação.
Na altura, os portugueses ainda não o sabiam, mas estavam a caminho de uma despedida definitiva dos escudos. O país aderiu ao euro em 1999, no meio de um aceso debate entre três grupos de economistas. De um lado, os adeptos fervorosos de cumprir a todo o custo os critérios de convergência – défice e inflação – para entrar no euro. Do outro, os que achavam que Portugal devia aderir mas com um câmbio mais favorável face ao escudo. E por fim João Ferreira do Amaral: destacou-se por ser a voz contrária à moeda única, já que o país perderia competitividade. Mais de 16 anos depois, a crise da Zona Euro invoca de novo esse debate. Ferreira do Amaral está aposentado, mas ainda vai a debates defender a saída do euro.
J.M.
Renascimento da banca privada
A fotografia de 1985 revela o início da liberalização do sistema financeiro, depois da vaga de nacionalizações do pós-25 de Abril. Com os bancos nas mãos do Estado, o Banco de Portugal (BdP) era então o principal protagonista, ao controlar administrativamente os volumes de crédito e a taxa de juro dos depósitos.
O retrato muda nesse ano. Fundado por 200 accionistas, nasce o BCP, que viria a tornar-se o maior banco privado português. Depois de participar em várias aquisições e sobreviver a uma guerra de poder, a instituição do histórico Jardim Gonçalves está agora disponível para tentar uma fusão com o BPI – que já tentou comprar no passado, numa OPA falhada.
O BPI também nasceu em 1985, por transformação da Sociedade Portuguesa de Investimentos. Considerado a ‘eterna noiva’ do sector, já se defendeu de uma oferta pública e falhou duas fusões. O seu destino está agora em aberto, com uma proposta de fusão do BCP e uma OPA em curso dos espanhóis do CaixaBank.
A liberalização do sector e a integração de Portugal na CEE deram lugar a um número reduzido de grupos privados que dominam a banca até hoje – apenas a Caixa Geral de Depósitos se mantém na esfera pública.
Ironicamente, o BdP tem hoje dificuldades em acompanhar o grau de sofisticação do sistema bancário. A nacionalização do BPN, a falência do BPP e a resolução do BES mancharam a imagem da banca nacional.
S.A.S.
A invenção da máquina do dinheiro
O Banco Nacional Ultramarino do Rossio recrutou em 1985 um funcionário que nunca mais deixou os balcões do sistema financeiro. O primeiro Caixa Automático da rede Multibanco entrou em funções em Setembro daquele ano, no que marcou o início de uma nova era na banca.
Inovador à escala mundial, foi o primeiro projecto da SIBS, uma empresa detida pelos principais bancos do país.
A receptividade foi progressiva. Primeiro estranhou-se. A máquina por onde saíam notas pôs fim a décadas de filas de pensionistas e funcionários públicos nos balcões da Caixa Geral de Depósitos, para receberem pensões e salários. Houve até episódios caricatos, como quem tentasse roubar dinheiro das máquinas pondo objectos com cola pelo buraco de onde saíam as notas, à espera que viesse dinheiro agarrado.
Depois a coisa entranhou-se.
Os pagamentos electrónicos generalizaram-se e Portugal é hoje o país europeu com mais multibancos por habitante. Há 16 mil máquinas de levantamento, 19 milhões de cartões de pagamento e 256 mil estabelecimentos que permitem pagar com cartão. O homebanking é a faceta mais recente de uma revolução silenciosa de que já ninguém consegue abdicar.
J.M.
Telefones: Revolução na Comunicação
O choque entre dois comboios na Linha da Beira Alta, a 11 de Setembro de 1985, ficou na história como o maior desastre ferroviário no país: em Alcafache morreram 49 pessoas. Um dos comboios adiantou-se no horário e não esperou na estação pela composição que seguia na mesma linha em sentido contrário. Como a comunicação era feita por telefone fixo entre as estações e não directamente para os comboios, nem os chefes nem o guarda barreira conseguiram evitar a tempo a tragédia. Há 30 anos, só era possível falar ao telefone em Portugal pela rede fixa, havia 1,3 milhões de telefones fixos. A chegada do telemóvel ao país só aconteceria em 1989 pelas mãos dos CTT/TLP (Correios de Portugal) e foi uma revolução. Cinco anos depois, os utilizadores de telemóveis no país já tinham ultrapassado os dez milhões. Hoje no país, há 16, 6 milhões de cartões SIM e vendem-se seis mil telemóveis por dia. Apesar disso, ainda é possível encontrar 22 mil cabinas telefónicas distribuídas por todo o país.
J.F.C.
Código de barras: O império do 560
O sistema chegou a Portugal em 1985 com a generalização dos hipermercados – o primeiro Continente surgiu em Dezembro desse ano em Matosinhos – e a identificação 560. Hoje é utilizado em praticamente todos os produtos, da indústria à saúde, passando pelo comércio e serviços.
Criado em 1948 por dois estudantes americanos, o código de barras estrear-se-ia 26 anos depois, em Junho de 1974: um pacote de chicletes foi o primeiro produto vendido com código de barras, num supermercado de Ohio (EUA). A sistematização da informação sobre um determinado produto constituiu uma revolução, permitindo conhecer de forma inequívoca a sua identidade e rastreá-lo até à origem – funciona com números que identificam o país, o produto, a empresa vendedora e um número de segurança. A leitura dos dados – 13 dígitos num quadrado de 12 por 12 cm – é realizada por um leitor de código de barras que emite um raio vermelho que percorre as barras. Onde a barra é escura a luz é absorvida; nos espaços claros, é reflectida para o leitor.
Em Portugal, segundo a GS1, que gere esta tecnologia, processam-se, em média, oito biliões de leituras de códigos de barras por dia em mais de 10 milhões de artigos. Começam agora a surgir alternativas como o QR Code, baseado em fotografia, mas os leitores ainda não estão preparados.
S.B.
Amoreiras: uma cidade dentro da cidade
Foi no meio da polémica que o primeiro shopping center do país abriu as portas a 27 de Setembro de 1985. As enormes torres espelhadas e arcadas coloridas do arquitecto de Tomás Taveira escandalizaram os lisboetas, que inundaram a câmara da capital com abaixo-assinados e petições. A controvérsia terá custado votos ao presidente da autarquia e grande defensor do projecto, Krus Abecassis, que acabaria por ser reeleito dois meses após a inauguração. Romarias de curiosos chegavam de todo o país para ver o controverso edifício, hoje considerado um dos símbolos da arquitectura pós-moderna, para andar nas escadas rolantes e passear nos corredores com luz natural. Com 330 lojas iniciais, o centro prometia ser ‘uma cidade dentro da cidade’, trazendo para o país marcas estrangeiras. Rapidamente tornou-se um símbolo de sofisticação e novas tendências, crescendo à sombra dos subsídios da CEE e da euforia económica dos governos de Cavaco Silva.
Trinta anos depois, as Amoreiras continuam a ser ponto de passagem obrigatório para quem quer fazer compras na capital, com dez milhões de visitante0s por ano. Com 219 lojas – mais sete lojas âncora como a Zara ou o Pão de Açucar, tem uma capela, supermercado, farmácia e vários bancos. Há lojistas que ali estão desde o início, como a Loja das Meias, o Bento Cabeleireiros, ou os restaurantes Garden Burger e “O Madeirense”. Em 2015 vai inaugurar um miradouro no cimo da Torre 1, com uma vista de 360º sobre a cidade.
J.F.C.
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1985 na política. Na economia. Na sociedade. Na cultura. No desporto. No mundo.