A hora de Soares
Foi ele que pediu a adesão à CEE, em 1977. E, novamente como chefe de um governo, assinou a entrada no clube europeu, marcando o alinhamento do Portugal pós-25 de Abril por um modelo de democracia ocidental e um padrão de desenvolvimento social-democrata. Para trás tinham ficado os anos da revolução em que Mário Soares, nas ruas e nas urnas, confrontara e vencera a extrema-esquerda. Neste 12 de Junho de 1985, era, porém, um político desgastado, por ter metido ‘o socialismo na gaveta’ e aplicado a austeridade, a mando do FMI. Mas o homem mais marcante do regime democrático não baixara os braços e preparava já uma candidatura presidencial. Chegaria a Belém no ano seguinte, após a mais renhida batalha eleitoral que o país até hoje assistiu. Com a ajuda dos votos do PCP, ironicamente. Três décadas depois, o agora nonagenário Soares ainda mantém intervenção pública, atacando a direita, influenciando a vida interna do PS ou defendendo com veemência a inocência de José Sócrates à porta da prisão de Évora. Recusou sempre que o seu estatuto de ‘pai do regime’ lhe travasse a liberdade de acção política. Quando saiu de Belém foi eurodeputado e tentou, uma década depois, voltar a ser Presidente da República. Nem a humilhação de ter ficado em terceiro, atrás de outro socialista, Manuel Alegre, o impediu de rematar: «Não sou impressionável por um simples desaire».
MAM
No estertor do Governo PS/PSD
Uma coligação feita em tempos de crise, o Bloco Central entrara já em colapso no momento da adesão à CEE, esse símbolo de consenso político dos partidos do arco governativo. Dois anos antes, nas legislativas de 1983, Mário Soares virara-se para os sociais-democratas, perante o desaire do CDS que inviabilizava uma aliança já experimentada pelos socialistas. A coligação PS/PSD, que governou sob resgate do FMI, foi bem sucedida, devido à boa relação pessoal de Soares com o líder social-democrata, Mota Pinto e à solidez do ministro das Finanças, Ernâni Lopes. Agora que a economia se aproximava do trilho do crescimento, o PSD espreitava nesse Verão de 1985 a oportunidade de deixar de ser um partido subalterno. Cavaco Silva pôs fim ao governo de Bloco Central (evitando também assim ter de apoiar Soares a Belém, como candidato comum do PS e PSD) e ganhou as legislativas. Nunca mais o país voltaria a governar-se ao centro. Trinta anos depois, porém, os consensos entre os dois maiores partidos voltam à ordem do dia. Para já, concentrados em conquistar votos, nenhum dos dois partidos quer ouvir falar em Bloco Central, conhecido como o plano B da democracia portuguesa para tempos de excepção.
MAM
Cavaco chega para pôr fim ao Bloco Central
Cavaco Silva que fora ministro das Finanças de Sá Carneiro em 1980, tornara-se um dos maiores críticos, com Eurico de Melo, do Governo do Bloco Central, liderado desde as eleições de 1983 por Mário Soares, pelo PS, e Mota Pinto, pelo PSD. Face ao agravamento dos problemas no seio do Governo e do PSD, Mota Pinto demite-se em Fevereiro de 1985. E viria a morrer, inesperadamente, de um aneurisma da aorta, a 7 de Maio, dez dias antes de se iniciar o Congresso da Figueira da Foz. Para surpresa geral, Cavaco Silva (que dizia só ter ido à Figueira para «fazer a rodagem do novo carro») é eleito com 52% dos votos, derrotando o favorito João Salgueiro, no dia 19 de Maio. Mário Soares, que já preparava a sua candidatura a Belém, antevê o pior e desmerece o seu novo adversário: «Só o conheço de nome». Como que a dar razão aos receios de Soares, Cavaco anuncia a ruptura do Bloco Central a 4 de Junho e o abandono do Governo a 13 de Junho, no dia a seguir à assinatura do tratado de adesão à CEE. Nas legislativas de 6 de Outubro, o PSD vence com 29,9% e Cavaco Silva inicia um ciclo de dez anos como primeiro-ministro.
JAL
PRD, o partido feito à imagem do Presidente
Os anos de crise e austeridade que o país viveu de 1982 a 1985, com PS e PSD no Governo, criaram o ambiente social e político propício ao aparecimento de uma força partidária alternativa aos partidos do Bloco Central. Em Fevereiro de 1985, reunidos em Tróia, os eanistas que vinham da estrutura de apoio à reeleição de Ramalho Eanes, decidem avançar para a criação de um novo partido. A queda do Governo do Bloco Central e a marcação de eleições para Outubro obrigam a antecipar a fundação do partido para o mês de Julho, ainda com Eanes em Belém. É a sua mulher, Manuela Eanes, e Hermínio Martinho, eleito líder do PRD, quem dá a cara na campanha eleitoral e nos comícios. Fazendo da ‘seriedade e integridade’, à imagem do general, o elemento diferenciador do partido. Nas legislativas de 6 de Outubro, o PRD irrompe em força como terceiro maior partido, com 17,9% (45 deputados), muito próximo do PS, que caía para 20,8% (57 deputados). Eanes só assumiria a liderança em 1986, após sair da Presidência da República. E demitir-se-ia logo em 1987, após o fiasco eleitoral que deixou o PRD com 4,9% dos votos (e apenas 7 deputados). Foi efémero o fenómeno do partido presidencial.
JAL
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1985 na política. Na economia. Na sociedade. Na cultura. No desporto. No mundo.