Aumentam queixas por violação

A festa Dirty Mind prometia uma noite sem limites no Cartaxo, num local que só foi divulgado horas antes. Na discoteca onde se realizou a festa, não havia regras e até as casas de banho eram mistas. Foi aí que, na madrugada de 24 de Maio passado, uma adolescente de 16 anos foi violada por…

A jovem, que saíra com um grupo de amigas, estava muito alcoolizada e terá começado a vomitar no jardim no interior da discoteca, contou ao SOL um dos participantes da festa. Foi levada para a casa de banho por um segurança e aí terá sido violada.

Ainda em choque, a adolescente contou o que se passara às amigas que a acompanhavam. Foram elas que avisaram os pais da jovem, que apresentaram queixa às autoridades. Foi então levada ao Hospital de Santarém, onde fez exames e perícias, e o segurança foi entretanto detido, “por fortes indícios de violação”. Em tribunal, disse que as relações sexuais foram consentidas, tendo saído em liberdade, mas ficando obrigado a apresentar-se duas vezes por semana às autoridades.

Combater a vergonha

Não foi a única menor a ser violada no mês passado numa noite de festa. A 2 de Maio, um sábado, uma rapariga de 12 anos que saíra para uma discoteca na zona de Sintra foi forçada a ter relações sexuais no parque de estacionamento. A jovem, que saíra com amigas mais velhas e com autorização dos pais, terá chegado à discoteca já alcoolizada. Acabou por ser levada pelas amigas para o carro, onde ficou deitada. Foi aí que foi violada por um jovem de 19 anos, que era conhecido das amigas. Depois de a rapariga apresentar queixa, o agressor foi apanhado  e ficou detido preventivamente.

As denúncias de violação aumentaram no ano passado: as autoridades abriram 374 inquéritos, mais 30 (8,7%) do que em 2013, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna. A maioria das vítimas (27%) tinha entre 21 e 30 anos. Os pedidos de ajuda por este crime à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) também dispararam: foram 139 durante o ano passado, quando em 2013 eram apenas 83.

Já os casos como os que envolvem as duas adolescentes violadas no mês passado escapam a esta radiografia. Por um lado, porque estas jovens raramente apresentam queixa: “Temos noção de que haverá muitas situações, mas as que envolvem menores raramente são denunciadas”, lamenta ao SOL fonte da Polícia Judiciária (PJ), lembrando que as adolescentes têm vergonha e também sentimentos de culpa porque muitas vezes estão alcoolizadas.

Por outro lado, porque as violações de menores são consideradas à luz da lei abusos sexuais (até aos 14 anos) ou abusos de adolescentes (14-16 anos) e não surgem discriminadas nas estatísticas enquanto tal.

'Date rapes' preocupam

Para a Judiciária, o aumento de denúncias no ano passado ainda não permite concluir por uma tendência de crescimento de casos, explicando antes esta subida com a mudança de mentalidade perante este tipo de crime: “Há menos tabus e uma maior disponibilidade das pessoas para pedir ajuda”, conta ao SOL a psicóloga criminal Cristina Soeiro.

A explicação da APAV vai no mesmo sentido: “Pessoas mais informadas denunciam mais”, defende Daniel Cotrim, psicólogo, explicando que a associação é cada vez mais contactada por vítimas que querem saber o que fazer antes de apresentarem queixa.

As violações de adolescentes e de jovens adultos preocupam esta associação, sobretudo os chamados 'date rapes': violações que ocorrem durante encontros amorosos e que muitas vezes são cometidas drogando as vítimas para diminuir a sua capacidade de reacção e resistência.

 “Este é um tipo de crime que tem tendência a aumentar”, alerta Daniel Cotrim, lembrando que há cada vez mais pessoas a marcarem encontros com desconhecidos ou pessoas que conhecem através da internet, em chats ou nas redes sociais, o que faz disparar o risco.

“Na APAV, acompanhamos vários casos de jovens, quer mulheres quer homens, que foram violados depois de serem drogados com um sedativo muito forte e de actuação rápida, que prova alguma amnésia temporária”, adianta o psicólogo. Muitas vezes, estas vítimas só se apercebem de que foram alvo de agressão sexual pelas marcas de violência deixadas no corpo, pois não têm memória do que lhes aconteceu, o que dificulta a recolha de vestígios para fazer prova do crime, que depende da apresentação de queixa. Por isso, a APAV até teve um programa de alerta junto dos jovens universitários de Coimbra para prevenir o fenómeno.

Crime de oportunidade

A violação é, na maioria das vezes, um crime de oportunidade. “Houve uma altura em que houve vários casos à hora de saída das empregadas que fazem limpeza nos bancos e escritórios”, recorda Cristina Soeiro. Por isso, alerta que os jovens adultos, pelo estilo de vida que fazem, correm um maior risco: “Bebem, estão em discotecas  e bares, mais facilmente contactam e estabelecem conversa com desconhecidos”. Por outro lado, quem utiliza as novas tecnologias para encontros amorosos fica mais vulnerável: “Muitas vezes, os que recorrem aos meios online são pessoas com dificuldades relacionais e, por isso, já têm características de risco”.

Muitos violadores vivem sozinhos e têm algum tipo de isolamento social, sublinha a especialista, que fez um “estudo exploratório” do perfil dos agressores com base em casos resolvidos pela PJ. Mais do que motivações sexuais, concluiu que procuram através da agressão a sensação de poder e controlo.

*com Mariana Madrinha

joana.f.costa@sol.pt