Está na presidência da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) desde 1999. O que mudou desde então?
O sector era muito diferente há 16 anos: menos exportador, menos tecnológico, mais tradicional. Com mais população activa a trabalhar mas com menos emprego qualificado. A agricultura modernizou-se muito. Acelerou claramente a partir de 2009/2010.
Porquê?
Houve uma conjugação de factores. A crise dos cereais de 2008 e a alteração da base alimentar de países como a China e a Índia provocaram a consciencialização mundial de que poderia haver uma rarefacção de comida. Em cima disso, tivemos uma crise financeira global, que gerou desemprego e pôs em causa o modelo económico europeu. Foi necessário criar empregos, regressar aos produtos transaccionáveis, aumentar exportações. Este conjunto de eventos fez com que os governos, na Europa e em Portugal, começassem a olhar de forma diferente para o sector primário.
Não houve também um divórcio da população face à agricultura, que agora está a mudar?
A seguir ao 25 de Abril a agricultura tornou-se um sector conotado com o antigo regime, tal como a indústria. Todo o desenvolvimento depois de 1974 se fez com uma rejeição política e sentimental desses dois sectores, que não tinha que ver com os sectores em si mas com o regime político que se tinha aproveitado deles. Estas crises mundiais e nacionais e uma nova geração de pessoas nascidas depois do 25 de Abril fizeram ver que podemos viver em democracia e continuar a apostar em sectores fundamentais.
Quais são os sectores mais competitivos da agricultura em Portugal?
Há sectores tradicionais, como o do vinho, que sempre foram competitivos e que têm vindo a reforçar-se. E há um sector novo, extraordinariamente exportador e competitivo, que só nasceu há sete, oito anos: o das frutas e hortícolas, os frescos. Em conjunto já exporta mais de mil milhões de euros por ano, mais do que o vinho.
É aí que entra a indústria do tomate?
Sim. A indústria do tomate vale quase 300 milhões de exportações e Portugal é muitíssimo competitivo – é o quarto maior exportador mundial e o sexto maior produtor. Há 400 produtores no país, com 20 mil hectares.
O Alqueva pode impulsionar mais as hortícolas, quando estiver plenamente implementado?
Já foi fundamental na evolução dos últimos anos. A agricultura empresarial no Sul da Europa não se faz sem água. E o Alqueva veio pegar em 120 mil hectares de sequeiro e transformá-los em regadio. Podemos dar um salto enorme nos próximos anos. No início deste ano, o Alqueva irrigava 60 mil hectares. Neste momento tem 88 mil e quando chegar a 1 de Janeiro do próximo ano terá 120 mil.
Há algum produto ou grupo de produtos em que Portugal pode tornar-se líder mundial, com esse acréscimo final do Alqueva?
Em produtos específicos talvez. Se tivermos muitos clientes e boas condições para fazer cenouras, por exemplo, podemos ser líderes mundiais. Em grupos de produtos dificilmente, porque Portugal é um país pequeno. No tomate podemos aumentar bastante e ficar nos primeiros lugares.
Qual é a proporção de jovens na agricultura?
Devemos estar com pouco mais de 2% de jovens agricultores, abaixo da média europeia. Mas estamos a instalar mais de 3.000 jovens por ano e há uma margem de progressão enorme. Temos um problema no sector agrícola: os terrenos que dão boa produção estão todos ocupados. Para se instalar jovens, alguém tem de ser reinstalado. Há que comprar terra, que é cara, ou arrendar, o que não é fácil.
Durante muito tempo gerou-se a ideia de que o campo era um trabalho duro, pouco atractivo. Essa imagem já está ultrapassada?
Fora do sector agrícola há bolsas da sociedade que já entenderam que o sector evoluiu, e isso cativa os jovens. Mas há muita gente que ainda pensa que o campo está abandonado, que é um sector pouco tecnológico. Na semana passada fizemos a Feira da Agricultura. Muitos políticos foram conduzidos dentro de um tractor e não faziam a menor ideia que todos os tractores têm hoje ar condicionado, música, computador e GPS.
A agricultura é um sector tecnológico?
De tal maneira que é preciso ter cursos para trabalhar com aquelas máquinas. A enxada já praticamente não se usa no campo. O sector agrícola hoje é tecnologia, investigação e passar à prática essa investigação. É estar com o iPad ou o iPhone e verificar o pivot de rega, que tem uma sonda ou várias sondas, e pô-lo a trabalhar à distância. É ter uma câmara no telemóvel que permite ver o que está acontecer com uma exploração de vinhos nos EUA. Ninguém tem agricultura de ponta que não tenha programas ligados a um computador ou a um iPhone para saber como as coisas estão a correr. Para as pessoas mais novas que estudaram, isso é muito aliciante.
Mas continua a haver um problema com a mão-de-obra: para a apanha são contratados estrangeiros.
Esse problema existe nos produtos que, pela sua sensibilidade e dificuldade de manuseamento, como as hortícolas, implicam sempre trabalho manual. Não temos mão-de-obra para esse trabalho, que até é bem pago. É um trabalho duro. Andar no campo oito horas por dia a fazer a apanha de fruta ou de alface não é fácil, mas tem uma duração limitada no tempo. O problema é arranjar quem queira fazê-lo. Por enquanto mandamos vir mão-de-obra da Tailândia, Coreia, Europa de Leste.
Durante o programa da troika houve alturas em que a contratação de estrangeiros diminuiu. Havia mais portugueses disponíveis?
Houve de facto um ano ou dois em que as coisas estavam tão mal de emprego que houve mais aceitação das ofertas. Mas já regressámos ao pré-troika. Estamos a importar quase toda a mão-de-obra para a apanha de Verão. São cerca de 3.000 trabalhadores para a campanha que está agora a começar.
joao.madeira@sol.pt