«Não houve uma visão comum», reconheceu Rihards Kozlovskis, ministro do Interior da Letónia, país que preside até ao final do mês ao Conselho da UE. Imperou a falta de consenso sobre a proposta da Comissão Europeia – que visa redistribuir pela UE, num sistema de quotas, 40 mil sírios e eritreus que pediram asilo e se encontram na Grécia e em Itália, além de outros 20 mil que são já esperados. O primeiro-ministro Matteo Renzi já tinha descrito este número como uma «provocação», levando em conta que só à costa italiana já chegaram este ano 60 mil refugiados – e que a população dos 28 Estados-membros ultrapassa os 500 milhões de habitantes. Roma e Atenas estão na linha da frente na recepção aos refugiados.
Enquanto os representantes europeus discutiam as teorias de migração, as consequências práticas viam-se lá fora. Cerca de 200 migrantes oriundos de Sudão, Líbia e Eritreia continuavam retidos em Ventimiglia, última paragem italiana antes da entrada em território francês.
Como a Polícia gaulesa (tal como a helvética) não os deixa pôr o pé na turística Riviera francesa – com o argumento de que as leis da UE vinculam o país que primeiro recebe os refugiados a acolhê-los enquanto trata dos pedidos de asilo -, os migrantes estão há dias ao relento ou a dormir na estação de comboio. A Polícia italiana já tentou retirá-los em autocarros, mas muitos resistem e fogem. Para o ministro italiano do Interior, isso «prova que não chegam a Itália para ficar em Itália, mas para seguir para a Europa».
«É tempo de olharmos para lá dos interesses nacionais», disse o comissário dos Assuntos Internos, Dimitris Avramopoulos, a pôr o dedo na ferida na terça-feira. E é preciso evitar uma política de «regatear e apontar o dedo». Nesse sentido, o comissário prefere um mecanismo compulsório aos 25 Estados-membros (Reino Unido, Irlanda e Dinamarca estão isentos), em vez de voluntário, para distribuir os requerentes de asilo.
Muro húngaro
Áustria e Hungria já ameaçam fechar fronteiras, rasgando Schengen em pedaços. Na quarta-feira, Budapeste anunciou planos para 'vedar' a fronteira com a Sérvia, ao longo de 175 km e quatro metros de altura, para travar a entrada de migrantes. O ministro dos Negócios Estrangeiros Peter Szijjarto escudou-se com números: 54 mil pessoas já entraram em território magiar este ano, comparando com 43 mil em 2014. A oposição às quotas tem maior eco entre os países do Leste europeu.
Para a semana, o tema da migração volta à agenda na cimeira da UE em Bruxelas – já com as severas críticas dos relatórios da Amnistia Internacional e da Agência das Nações Unidas para os Refugiados. A AI deu conta da pior crise, sem fim à vista, desde a II Guerra Mundial. Só sírios são mais de quatro milhões, em fuga da guerra. Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egipto receberam cerca de 95% desta população deslocada «praticamente sem apoio internacional significativo». As Nações Unidas alertam para o número recorde de 59,5 milhões de deslocados em todo o mundo, no final de 2014 – mais 16% do que em 2013 -, e para o desequilíbrio no acolhimento: 86% dos refugiados estão nos países menos desenvolvidos do globo.
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