Schengen ameaçado

Três décadas após a assinatura do Acordo de Schengen – e 20 depois da abertura das primeiras fronteiras -, erguem-se muros na Europa. Muros que crescem proporcionalmente ao avolumar da crise dos migrantes que atravessam o Mediterrâneo, fugidos de guerras e miséria em África e no Médio Oriente. Mais de 100 mil fizeram já a…

Schengen ameaçado

«Não houve uma visão comum», reconheceu Rihards Kozlovskis, ministro do Interior da Letónia, país que preside até ao final do mês ao Conselho da UE. Imperou a falta de consenso sobre a proposta da Comissão Europeia – que visa redistribuir pela UE, num sistema de quotas, 40 mil sírios e eritreus que pediram asilo e se encontram na Grécia e em Itália, além de outros 20 mil que são já esperados. O primeiro-ministro Matteo Renzi já tinha descrito este número como uma «provocação», levando em conta que só à costa italiana já chegaram este ano 60 mil refugiados – e que a população dos 28 Estados-membros ultrapassa os 500 milhões de habitantes. Roma e Atenas estão na linha da frente na recepção aos refugiados.

Enquanto os representantes europeus discutiam as teorias de migração, as consequências práticas viam-se lá fora. Cerca de 200 migrantes oriundos de Sudão, Líbia e Eritreia continuavam retidos em Ventimiglia, última paragem italiana antes da entrada em território francês. 

Como a Polícia gaulesa (tal como a helvética) não os deixa pôr o pé na turística Riviera francesa – com o argumento de que as leis da UE vinculam o país que primeiro recebe os refugiados a acolhê-los enquanto trata dos pedidos de asilo -, os migrantes estão há dias ao relento ou a dormir na estação de comboio. A Polícia italiana já tentou retirá-los em autocarros, mas muitos resistem e fogem. Para o ministro italiano do Interior, isso «prova que não chegam a Itália para ficar em Itália, mas para seguir para a Europa». 

«É tempo de olharmos para lá dos interesses nacionais», disse o comissário dos Assuntos Internos, Dimitris Avramopoulos, a pôr o dedo na ferida na terça-feira. E é preciso evitar uma política de «regatear e apontar o dedo». Nesse sentido, o comissário prefere um mecanismo compulsório aos 25 Estados-membros (Reino Unido, Irlanda e Dinamarca estão isentos), em vez de voluntário, para distribuir os requerentes de asilo.

Muro húngaro
Áustria e Hungria já ameaçam fechar fronteiras, rasgando Schengen em pedaços. Na quarta-feira, Budapeste anunciou planos para 'vedar' a fronteira com a Sérvia, ao longo de 175 km e quatro metros de altura, para travar a entrada de migrantes. O ministro dos Negócios Estrangeiros Peter Szijjarto escudou-se com números: 54 mil pessoas já entraram em território magiar este ano, comparando com 43 mil em 2014. A oposição às quotas tem maior eco entre os países do Leste europeu. 

Para a semana, o tema da migração volta à agenda na cimeira da UE em Bruxelas – já com as severas críticas dos relatórios da Amnistia Internacional e da Agência das Nações Unidas para os Refugiados. A AI deu conta da pior crise, sem fim à vista, desde a II Guerra Mundial. Só sírios são mais de quatro milhões, em fuga da guerra. Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque e Egipto receberam cerca de 95% desta população deslocada «praticamente sem apoio internacional significativo». As Nações Unidas alertam para o número recorde de 59,5 milhões de deslocados em todo o mundo, no final de 2014 – mais 16% do que em 2013 -, e para o desequilíbrio no acolhimento: 86% dos refugiados estão nos países menos desenvolvidos do globo.

ana.c.camara@sol.pt