E se Mariana Mortágua fosse de centro-direita?

1. É a nova pop star da política nacional: formada em Economia, elaborando presentemente a sua tese de doutoramento em Economia do Desenvolvimento (em Londres, sendo, portanto, uma das jovens que emigrou para obter mais qualificações de que falou Pedro Passos Coelho – e que a própria Mortágua tanto criticou) e discípula dilecta de Francisco…

2. Até há bem pouco tempo, Mariana Mortágua era apenas uma deputada promissora do Bloco de Esquerda, cuja entrada no Parlamento tinha sido objecto de violentas críticas (embora discretas) de muitos militantes bloquistas, a maioria dos quais pertencentes a facções mais moderadas deste epifenómeno partidário. Era conhecida como a filha do resistente anti-salazarista, Camilo Mortágua. E pensava-se em Mariana Mortágua mais como docente e assistente de Francisco Louçã – do que na ribalta político-partidária nacional.

3. Tudo mudou, no entanto, com o protagonismo que Mariana Mortágua logrou alcançar na Comissão de Inquérito ao colapso do BES. Aqui a deputada bloquista revelou preparação técnica, competência política, talento, desassombro e arrojo na inquirição. Ficou célebre a sua pergunta a Zeinal Bava: seria compatível tamanho esquecimento e falta de diligência do ex-CEO da PT com os muitos galardões internacionais na área da Economia e das Finanças que recebera?

4. E, desde então, Mariana Mortágua perfilou-se como a única deputada de que os portugueses falam em termos não pejorativos – pelo contrário, em tom bastante elogioso. Num discurso político cristalizado e opaco como é o português, Mariana Mortágua rompeu – e os portugueses gostaram. Portugueses que sentem um enorme sentimento de revolta pelos responsáveis do forrobodó político e empresarial em que Portugal viveu durante muitos anos. Demasiados anos. Outros deputados tentaram imitar o percurso de Mariana Mortágua, embora sem êxito. Pense-se, por exemplo, em Duarte Marques, do PSD: aproveitando também a sua participação na Comissão de Inquérito ao colapso do BES, Duarte Marques multiplicou-se em entrevistas a vários órgãos de comunicação social, desde o “i” até ao “Diário de Notícias”, passando por destaque na “Visão” – mas não conseguiu sequer se aproximar de Mortágua.

5. São percursos diferentes, feitios e personalidades completamente diferentes os de Duarte Marques e Mariana Mortágua. O primeiro é um operacional, um homem talhado para a organização, para a gestão de agenda e de comunicação de um Governo ou de um deputado ou de um grupo parlamentar; a segunda é uma revolucionária intelectualmente sofisticada, bem falante, desejosa de protagonismo na frente política, cheia de ambições de liderar o Bloco de Esquerda, embora as disfarce com a sua discrição.  

6. Posto isto, e reconhecendo muito mérito a Mariana Mortágua, não podemos deixar de formular uma questão: e se Mariana Mortágua fosse de centro-direita? Se fosse do PSD ou do CDS? Ah, nesse caso, tudo seria diferente. Mortágua não passaria de um boy – ou melhor, uma girl – criada nessa escola de defeitos e vícios que é a JSD ou a JP, sempre pronta a “dar graxa” aos líderes ou aos “padrinhos” da máquina partidária para chegar longe na vida.

7. Por muito preparado que um jovem político (deputado, secretário de Estado, assessor…) da área do centro-direita possa ser e muito competente que se revele no exercício das suas funções, será sempre encarado como alguém que teve um padrinho, que está ao serviço dos “porcos dos capitalistas” e dos altos interesses que “capturam o Estado”. Mesmo que nada tenha que ver com esses interesses, que se revolte contra esses interesses e que se tenha feito mais do que as promessas grandiloquentes do Bloco de Esquerda contra esses interesses.

8. Enfim, Mariana Mortágua só é o fenómeno que é, para além dos seus méritos pessoais, porque é do Bloco de Esquerda. Ser do Bloco confere-lhe uma gracinha peculiar. Já agora: o que pensa Mariana Mortágua do sarilho que o populista radical e seu camarada, Alexis Tsipras, está a criar na Europa – e que poderá colocar ainda em mais dificuldades os portugueses? Claro que Mortágua tem a resposta: a Grécia deve bater o pé, sair da zona euro e rejeitar a austeridade, provocando turbulências nos mercados e levando à derrocada de todos os outros países. Consequência: ficamos todos pobres. Afinal de contas, não é essa a igualdade pela qual Mariana Mortágua e seus amigos de esquerda lutam?

joaolemosesteves@gmail.com