Espécie de alter ego anónimo do autor brasileiro, X apenas quer trocar a sua solidão de Porto Alegre pela de Londres. Tem 50 e poucos anos e livros publicados, é «um homem pacato, feito para não ter vaidades, para desconhecer até suas feições» e começa a esquecer-se e a perder «o poder de evocação». Quando um inglês lhe oferece uma bolsa de estadia na capital britânica, cujo propósito é indefinido, X vê nisso uma oportunidade para se despersonalizar, «ser vários», construir um novo eu e uma nova memória, talvez a partir «desse material difuso da multidão». O processo de artificialização (uma nova imagem ao espelho, maquilhagem das rugas, pintura do cabelo…) inicia-se no bairro periférico e de imigrantes de Hackney, num apartamento por cima de um restaurante vietnamita. «Como seria sonhar naquele quarto sem cortina, a me mostrar a árvores em folhas e os ferros e entulhos do que outrora talvez fosse resultado quase imediato da Revolução Industrial?».
Como em Beckett, a ficção de João Gilberto Noll pesquisa a experiência humana através da rejeição de todos os aspectos não-essenciais e da nudez progressiva da personagem, até um estado primitivo (desconhecido) de identidade. O que prevalece é a linguagem, a voz que, em monólogo fantasioso, é a última a extinguir-se. Nas suas derivas citadinas e homo-eróticas, X não difere muito da velha protagonista de Rockaby (1981), cuja cadeira de baloiço pára quando todas as memórias se esvaem. «Porque eu era o homem que vivia a fugir? (…) Eu era o estúpido da cidadela global». O mundo tornou-se demasiado pequeno para nos conseguirmos perder nele.
Lorde
João Gilberto Noll
Elsinore – 20/20 Editora
106 págs., 12.99 euros