O mundo Bilderberg

Henry Kissinger, Bill Gates, princesa Beatriz da Holanda, rainha Sofia de Espanha, Ricardo Salgado, Giovanni Agnelli, Francisco Balsemão, Durão Barroso… Não, não se trata de uma lista de possíveis capas para a Caras ou de uma pirraça ao leitor, para o fazer roer-se de inveja perante a soma do rendimento per capita destas personalidades.

Na verdade, eles nada têm em comum, a não ser terem participado, pelo menos uma vez – a maior parte dos integrantes da lista é 'repetente' – num encontro à porta fechada que decorre todos os anos e onde se debate tudo, mas mesmo tudo o que se passa no mundo: conflitos, crises, instabilidades políticas, novas tendências económicas ou tecnológicas. Lá estão, ano após ano, os governos das principais potências atlânticas – o grupo restringe-se, desde o início, em 1954, aos países europeus, EUA e Canadá -, as grandes multinacionais e os chefes militares.

É o Clube de Bilderberg, no qual a ideia de 'porta fechada' parece ser para levar à letra: os intervenientes observam a regra de Chatham House, que é uma espécie de tradução aristocrática do célebre dito 'o que acontece em Las Vegas, fica em Las Vegas' (mas sem a parte da diversão desenfreada, do jogo e das danças de varão).

Das reuniões resultam efectivamente actas, mas a sua leitura é no mínimo estranha. Por exemplo: “Um participante americano mostrou-se preocupado com a depreciação dos lucros das empresas”. Nenhuma intervenção leva o nome de quem a proferiu. Mas a lista dos participantes está disponível, e até há um site (www.bilderbergmeetings.org) que, embora muito lacónico, divulga os temas em debate, locais e intervenientes.

 Na última reunião, em meados de Junho, num hotel dos alpes do Tirol, na Áustria, debateu-se, por exemplo, a situação da Grécia, da Rússia, ou a inteligência artificial, entre outros assuntos.

É fácil dar o salto de raciocínio – daqui à teoria da conspiração vai, na verdade, um pulinho. Ninguém está autorizado a falar fora das reuniões, mas lá se vai falando. Marcelo Rebelo de Sousa, por exemplo, fê-lo na TVI. Tinha estado no encontro no Hotel Turnberry, na Escócia, em 1998. No ano seguinte, Portugal recebeu os 'Bilderbergers' na Penha Longa, em Sintra. João Cravinho, na altura ministro do primeiro Governo de António Guterres (1995-1999), foi um dos presentes. E faz uma busca, com parcimónia, no baú das recordações: “Não há um ritual explícito que se observe. Percebe-se onde se está e a importância dos presentes”. Cravinho recorda-se da singularidade do grupo, que junta sempre representantes de pontos distintos do 'centrão' político, além de outros de posição mais senatorial, como Kissinger. O antigo conselheiro para a política estrangeira dos presidentes dos EUA de Eisenhower a Ford (de 1953 a 1977) era um dos presentes e é um dos recordistas das reuniões, com 15 presenças, incluindo as oito últimas edições.

Dos portugueses que por lá passaram e passam, há sempre um representante do PSD e outro do PS, seja primeiro-ministro ou ministro em funções, ou por eleger no futuro. O mesmo parece acontecer aos representantes de outros países. Cravinho prossegue, desdramatizando: “É um clube, mas não que eu aspire a integrar”.

Medeiros Ferreira, o pioneiro

Um olhar com atenção às listas de participantes dá-nos uma perspectiva da assiduidade nacional. São dezenas os convidados e, na maior parte dos casos, coincidência ou não, há saltos qualitativos nas respectivas carreiras.

O primeiro a integrar uma reunião Bilderberg foi José Medeiros Ferreira em 1977, em Torquay, na Inglaterra. Era então ministro dos Negócios Estrangeiros e terá indicado Francisco Pinto Balsemão, então director da Sojornal (hoje grupo Impresa, que inclui o semanário Expresso, a SIC, a Visão, entre outros títulos) e futuro primeiro-ministro, de 1981 a 1983.

Balsemão, já se sabe, viria depois a frequentar os encontros, começando em 1981 e seguindo em 1983 e 1985, e viria a integrar  o comité director do grupo, o que lhe deu responsabilidades de contribuir para a organização dos encontros. Tentámos, em vão, que respondesse a algumas perguntas sobre o Clube. 

Não falharia a uma reunião entre 1987 e 2015, quando assumiu publicamente a passagem de testemunho a Durão Barroso.

Mas a coincidência das chegadas ao poder após a participação nos encontros dá que pensar. Para o jornalista e escritor Frederico Duarte Carvalho, que este ano vai publicar O Governo Bilderberg, não se trata de mera coincidência. Dos seis primeiros-ministros que tivemos desde 1985, “só dois não foram às reuniões: Cavaco Silva e Passos Coelho”.

As ordens de trabalhos e as discussões do Grupo Bilderberg já eram conhecidas, no entanto, desde o princípio. “Salazar sabia quem eles eram e até os respeitava”. A chegada da democracia, porém, iria selar de vez a nossa relação com o grupo. E criar, ou pelo menos consolidar, o que ficou conhecido como Bloco Central, enquadrado na perspectiva da alternância democrática. Para o autor, não se trata de uma conspiração. “São factos”, diz Carvalho à Tabu.

Hotéis com segurança militar

Frederico Carvalho chegou, inclusive, a estar perto – tanto quanto possível – de uma das reuniões. Foi em Sitges, na Catalunha, em 2010. Na cidade balnear, próxima de Barcelona, num hotel fortemente guardado por elementos de segurança armados até aos dentes, como habitualmente, Carvalho viu alguns dos presentes à distância. Naquele ano, os convivas lusos eram Paulo Rangel, agora vice-presidente do Grupo do Partido Popular Europeu, e Teixeira dos Santos, ministro das finanças de José Sócrates. Estávamos a um ano da vinda da troika, recorda Carvalho, “o que muito chateou Sócrates, que tinha sido também um convidado da reunião de 2004”.

Há muitas coincidências entre convidados e futuros governantes, com exemplos em vários países. Margaret Thatcher, que esteve presente em Cesme, na Turquia, em 1975, viria a ser primeira-ministra britânica em 1979, transformando radicalmente a economia e a sociedade até hoje, e não só do seu país. Pelo relatório do encontro, percebemos que as discussões em torno da inflação e das teses económicas que defende, contra o “excessivo poder” dos sindicatos e a distribuição do rendimento e pleno emprego, que o neoliberalismo estava à porta.

Mas pode dizer-se que essa e outras mudanças foram efectivamente decididas num encontro Bilderberg? Chegamos à tese de que o clube tem por objectivo um governo mundial, reunido às escondidas anualmente, que tudo decide e controla. É o que defendem os autores Daniel Estulin – autor de Toda a Verdade Sobre o Clube Bilderberg – e a espanhola Cristina Martin Jiménez, em O Clube Secreto dos Poderosos – Os Planos Ocultos de Bilderberg, obras que transpiram conspiração por todos os poros.

Para Frederico Duarte Carvalho, mais uma vez, a questão conspirativa parece mais ser um tiro ao lado. Essas teorias “só permitem embelezar e enfeudar aquilo que eles são, um poder não eleito”. Desde a criação do clube por, entre outros, o diplomata polaco Joseph Retinger – também um dos mentores de uma união europeia -, as reuniões 'pegaram'. Primeiro, com temas caros à Guerra Fria, então no auge. “Temia-se que a juventude estivesse demasiado permissiva à influência da propaganda comunista, da unidade dos povos, da paz mundial. E temia-se na Europa uma colonização americana”.

Mais tarde, nos anos 70, os medos já citados da inflação galopante que se seguiram à crise do petróleo de 1973, viriam acompanhados de outros. Em 1977, na reunião de Torquay, um palestrante americano lamenta que a demora em algumas obras importantes economicamente se deva à excessiva “militância” dos seus compatriotas. Diz ele, a dado passo, que “com os direitos civis, o [movimento] Black Power, e os movimentos de libertação das mulheres, muitos dos grupos que no passado tinham absorvido perdas económicas tornaram-se militantes”. Ou seja, passaram a ser um entrave à actividade económica livre, como, por exemplo, ter uma mina de carvão quase à porta de casa… “Não estão mais dispostos a aceitar essas perdas sem uma luta política”.

O mundo mudou muito entretanto, mas a esfera de Bilderberg, dizem os autores que se debruçam sobre o assunto, só veio a aumentar. Não pelo que se diz propriamente nos relatórios, defende Frederico Duarte Carvalho, que “é aquilo que eles não se importam que se saiba. O importante, e refiro-o no meu livro, são as conversas paralelas”. Será que essas conversas determinam o destino do mundo? Será que, como escreveu Aldous Huxley, autor da ficção distópica Admirável Mundo Novo, viveremos numa “ditadura perfeita” que “terá as aparências da democracia” e em que seremos escravos que “terão amor à sua escravidão”? Ou não será tudo ilusório? Quem sabe…

ricardo.nabais@sol.pt

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