Por onde andava Armando Vara

Armando Vara, ex-ministro socialista e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos, foi desenvolvendo nos últimos anos relações em África. Apesar de ter deixado em Agosto de 2014 o cargo que ocupava na construtora brasileira Camargo Corrêa – como responsável pelas relações com os países africanos -, Armando Vara continuava a viajar regularmente para aquele país…

Os responsáveis pelo processo Face Oculta nem haviam reparado que Vara tinha deixado de trabalhar para o grupo Camargo Corrêa, para onde entrou em Setembro de 2010. Tudo porque as rotinas não mudaram. Só que nos últimos meses o antigo ministro de Guterres terá viajado em nome de outros interesses: o de duas empresas que tem em seu nome e com sede exactamente no mesmo local – a Avenida das Forças Armadas, em Lisboa. Ao que o Sol apurou, o local terá sido um dos alvos das buscas do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Autoridade Tributária e Polícia de Segurança Pública (PSP), esta quinta-feira. Armando Vara tem uma casa mesmo ao lado, na mesma avenida junto a Entrecampos.

Uma das empresas é a RightDemand, empresa de consultoria constituída em Bragança, da qual é CEO desde Setembro de 2010. A outra é a GERA-International Trading, da qual será director-geral desde Setembro de 2013 e que promete um “serviço premium” em actividades de comércio internacional. Ambas têm uma presença “particularmente forte” em África e na América Latina. Principais mercados da GERA: “Portugal, Espanha, Angola, Moçambique, Brasil, Guiné Equatorial, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Norte de África e Médio Oriente.”

Vendas de 560 mil euros

A Gera-International Trading foi constituída em Junho de 2005, numa conservatória de Lisboa, quando Armando Vara já estava na administração da Caixa Geral de Depósitos presidida por Carlos Santos Ferreira. A Right Demand foi constituída em Setembro de 2010. Em 2013, esta última empresa teve vendas de 251,4 mil euros e resultados líquidos de 102 mil euros. Tem capitais próprios de 766 mil euros. Em deslocações e estadas a empresa gastou, em 2013, perto de 30 mil euros. 70% das vendas desse ano concentraram-se no mercado internacional (176,4 mil euros). Mas em 2010, 2011 e 2012 estiveram apenas concentradas no estrangeiro. 2011 foi o ano mais lucrativo, com vendas no mercado internacional na ordem dos 560 mil euros.

Além de Armando Vara, a Right Demand tem outros quatro accionistas: Bárbara Vara e Mário Vara, filhos do antigo ministro socialista, Dalberto José Gonçalves de Carvalho e Vânia Alfândega, ambos residentes em Bragança.

Vara entrou no mercado africano quando ainda estava ao comando do BCP: entre 2008 e 2010 foi vice-presidente não executivo do Banco Millenium Moçambique, e entre 2009 e 2010 presidente não-executivo do Millenium Angola. Em Agosto de 2010 deixou a administração do BCP e logo em Setembro começou a trabalhar como consultor e chairman em África do grupo Camargo Corrêa. Deixou o cargo no continente africano em Junho de 2013 e continuou como consultor da construtora em Agosto de 2014. Coincidentemente, no mesmo mês em que entrou para a construtora brasileira – Setembro de 2010 – constituiu a Right Demand.

Ligação a Vale do Lobo

O ex-ministro de António Guterres e amigo de José Sócrates é o mais recente suspeito do processo que tem como principal arguido o antigo primeiro-ministro. Ao que o SOL apurou, desde as vésperas das buscas ao empreendimento turístico de Vale do Lobo que Armando Vara estava sob suspeita. E desde então não deixou de estar debaixo da mira dos investigadores da Operação Marquês.

Em 2006, num momento em que Armando Vara dá o salto para vice-presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD), o banco público resolveu financiar Vale do Lobo em cerca de 200 milhões, ficando com 25% do capital da empresa que gere o empreendimento imobiliário. O negócio foi ruinoso para a CGD, que acumula c uma dívida de pelo menos 300 milhões de euros.

Depois das PPP Rodoviárias, do TGV, da Parque Escolar e da Venezuela, é no negócio de Vale do Lobo que se suspeita que terá havido luvas que justificaram transferências de 14 milhões de euros para as contas do empresário Santos Silva. As mesmas contas que a investigação suspeita serem, na verdade, de José Sócrates.

Vara foi ouvido hoje pelo juiz Carlos Alexandre. É o oitavo arguido da Operação Marquês, suspeito de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Está agora sujeito à medida de prisão domiciliária e de proibição de contacto com os restantes arguidos no processo – incluindo José Sócrates.

Vara e Sócrates são amigos de longa data. Em 1989, associaram-se na empresa Sovenco, sociedade de venda de combustíveis, sedeada na Amadora. O negócio teve vida curta. O escândalo em torno da amizade dos dois socialistas rebentou no processo Face Oculta, em 2009. As escutas entre ambos acabaram destruídas por decisão do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento. Mas Vara não se livrou de enfrentar um julgamento. Em Setembro, foi condenado a cinco anos de prisão por três crimes de tráfico de influência. Saiu em choque da sala da audiências, afirmando que a sua condenação era fruto da sua «circunstância». Sócrates saltou de imediato em seu apoio.

silvia.caneco@sol.pt