Nascida no sopé de uma montanha gelada (são belas as descrições do final da sua adolescência ali), a fome leva Hanna até um navio, rumo à Austrália. Embarcada como cozinheira, casa com o terceiro-imediato, fica viúva e decide ficar em Lourenço Marques. Após uma doença prolongada, casa com o dono de um bordel e substitui-o quando ele morre, pouco tempo depois (uma boa parte dos episódios e peripécias do livro é bastante inverosímil). Carlos, um macaco mascarado de criado, torna-se no principal companheiro, enquanto Hanna se embrenha numa sociedade onde brancos e negros purgam o medo uns dos outros através da violência, da mentira e do ódio. Pelo meio, há duas mortes, a luta pelo julgamento justo de uma negra, um cemitério de crianças e uma paixão. Em 1905, Ana instala-se na Beira, onde esconde, sob o soalho de um hotel chamado África, o diário da sua vida. Cem anos depois, alguém o encontra.
Mankell é sobretudo conhecido pela primeira ficção, Assassino Sem Rosto, de 1991, e pelos casos do detective Kurt Wallander (Um Homem Inquieto, o último, saiu em 2009 e não terá sequência), interpretado por Kenneth Branagh para a BBC. Desde 1986 que o escritor sueco dirige a companhia Teatro Avenida, de Maputo, e que reside entre esta cidade e Ystad. Com 67 anos e diagnosticado com cancro no início de 2014, tem sido submetido, com sucesso, a vários tratamentos e relatado a luta contra a doença em crónicas publicadas no seu site oficial.
Um Anjo Impuro não tem a respiração e o fôlego dos policiais de Wallander. Mas é um romance histórico escorreito e despretensioso, leitura ideal para a praia. O prefácio é de Mia Couto, que fala no «crime silencioso praticado contra todos nós: o de nos roubarem o encantamento de viver todos os dias as infinitas vidas que nos cabem». Hanna/Ana conseguiu vivê-lo e Mankell, sueco-africano, também.
Um Anjo Impuro
Henning Mankell
Editorial Presença
367 págs., 16.50 euros