As opções do juiz Alexandre

Um ano depois do colapso do BES e após uma comissão parlamentar de inquérito que encostou Ricardo Salgado à parede, acusado por todos de todas as responsabilidades, além de já indiciado pela Justiça por inúmeros crimes financeiros, o juiz Carlos Alexandre decidiu prendê-lo em casa com vigilância policial à porta. Os fundamentos para este inesperado…

Tal agravamento é inesperado porquê? Desde logo porque os receios do juiz não são partilhados pela investigação, que é, em princípio, quem está em melhores condições para avaliar os riscos em causa. E, depois, porque quem considere esses mesmos riscos que o juiz agora invocou não pode deixar de se interrogar se eles não existiriam há um ano, porventura com maior fundamento, quando Carlos Alexandre mandou Salgado em liberdade com uma caução de três milhões de euros. 

Pode-se admitir que o perigo de fuga tenha aumentado com novos factos ou indícios que tornem hoje a condenação mais provável num eventual julgamento. Mas, quanto à perturbação do inquérito e à aquisição e conservação da prova, o mínimo que se pode dizer é que ao homem forte do defunto BES foram concedidos, até agora, tempo e condições mais do que suficientes para, querendo, e no que estava ao seu alcance, se libertar do mais comprometedor. 

Vista de fora, a decisão do juiz é, de facto, estranha. Ou se arrependeu da decisão de há um ano e tenta agora corrigi-la, porventura tarde de mais, ou algo de novo e muito relevante ocorreu entretanto e, neste caso, não se compreende que as suas preocupações não tenham sido acompanhadas pelo Ministério Público.

Também o modelo de prisão domiciliária por que optou não deixa de surpreender. Poupando Salgado à pulseira electrónica que foi oferecida a Sócrates – sem dúvida mais humilhante do que a guarda à residência – o juiz «que se pela por apanhar num crime a malta da classe dirigente», como se dizia numa reportagem antiga do Público, diferencia, ainda assim, um arguido banqueiro de um arguido politico. E não hesita conceder ao primeiro confortos que, ainda há dois meses, não considerou sequer facultar ao segundo.

A vez de Eanes

Na mesma semana em que Jorge Sampaio recebeu o prémio Mandela, instituído para homenagear figuras que se tenham distinguido a nível internacional na promoção dos ideais das Nações Unidas, chegou a notícia de que também Ramalho Eanes vai receber um prémio de primeira grandeza. É o Prémio Internacional da Paz instituído pela fundação Gusi, considerado o «Nobel da Ásia», que se destina a agraciar pessoas ou organizações que tenham dado contributos relevantes para a paz e a justiça global.

No caso de Eanes, o prémio é atribuído «em reconhecimento da sua carreira e do seu papel como estadista». Distingue a sua «contribuição única para a criação de uma paz duradoura, nomeadamente no conjunto dos países de língua portuguesa» e, bem assim, a sua «acção cívica de relevo» depois de ter deixado o palácio de Belém.

Num país que frequentemente ignora, desvaloriza ou vota ao esquecimento em vida muitos dos seus melhores, estes prémios internacionais para os dois ex-Presidentes confrontam-nos com essa realidade. E mostram-nos também como o Estado, podendo beneficiar do seu contributo, nomeadamente em missões políticas e diplomáticas, desaproveita estupidamente o capital nacional que eles representam.

Não é crime

Enquanto a lei vai e vem folgam as costas. É o que devem pensar, outra vez aliviados, os detentores de fortunas adquiridas em condições inexplicáveis à luz dos rendimentos que declaram. Podem ficar descansados porque não correm risco de prisão, venha-lhes o dinheiro de onde vier e ainda que haja, na fonte, um crime por descobrir. 

A criminalização do enriquecimento injustificado foi chumbada pela segunda vez no Tribunal Constitucional. E com os mesmos fundamentos de há três anos, incluindo a violação do princípio da presunção de inocência, o tal que é sistematicamente violado nas fugas ao segredo de Justiça, por exemplo, e que, também por exemplo, não colhe em processos do fisco contra contribuintes em falta. 

Conhecendo as bancadas do PSD e do CDS as razões por que foi recusada em 2012 a primeira versão do diploma, podiam ter tido a humildade de ouvir os avisos das oposições, que apresentaram projectos com o mesmo objectivo, mas seguindo caminhos diferentes. A teimosia e a arrogância da maioria colocaram-na, uma vez mais, em xeque perante o Tribunal Constitucional. Por causa delas, perdeu-se mais uma oportunidade de reforçar o combate ao crime económico e à corrupção.