Férias à prova de divórcio

Muitas pessoas utilizam as férias para encerrar um ciclo e começar um novo capítulo. Uma atitude que alguns casais aplicam à pausa de Verão – e que, muitas vezes, termina em divórcio. Há várias estratégias a que pode recorrer para evitar este desfecho: isso implica um trabalho continuado ao longo do ano e, acima de tudo, comunicação.…

Há muito que João sonhava com as férias de Verão. Finalmente, depois de tantos meses de trabalho, estava a descansar à beira-mar, com o som das ondas em pano de fundo. Sem o relógio a pesar-lhe no pulso, podia ler à vontade o jornal sem ter de se preocupar com os constantes e-mails que continuavam a cair na caixa electrónica. O telemóvel, esse, tinha ficado em casa, para que nada o pudesse afastar da merecida pausa. Estava decidido a aproveitar estes dias ao máximo, especialmente com a mulher, com quem nos últimos meses só tinha discutido, por tudo e por nada. 

Mas o barulho do mar não era a única banda sonora de mais um dia típico das férias grandes. Se prestasse atenção, conseguiria ouvir os filhos a discutir sobre quem ia usar o balde maior para fazer um castelo; a mulher a reclamar com ele porque não tinha trazido mais um chapéu-de-sol, como ela tanto tinha insistido. Isto sem falar nas lamúrias do sogro, que não gostava do calor e que insistia em decidir em que restaurante iriam jantar; e a sogra, que apenas conseguia verbalizar – a toda a hora – os perigos dos meninos estarem há tanto tempo expostos ao sol e do quão arriscado é irem ao mar logo a seguir ao almoço. 

Apesar da hiperbolização desta situação fictícia, as férias de Verão, para muitos, não são sinónimo de descanso e de um desligar do stress do dia-a-dia. Pelo contrário. Acabam por se tornar um período de difícil gestão, especialmente para o casal, que tem de se adaptar a uma realidade diferente daquela com que lida durante o resto do ano. E são muitos aqueles que decidem pôr um ponto final na relação depois das férias grandes.

São efectivamente as férias de Verão uma fatalidade para os casais? «Fala-se dos divórcios após as férias de Verão como um dado adquirido, mas as férias grandes não são responsáveis pela decisão de divórcio ou separação. Apenas põem a descoberto uma ruptura que estava latente há muito tempo», explica Maria de Lurdes Leal, psicóloga clínica e especialista em terapia de casal.

 Ainda que factores mais práticos – como os tribunais estarem fechados durante o mês de Agosto – possam potenciar esta afirmação, há diversas componentes afectivas que não devem ser ignoradas e que podem levar ao ‘rebentar da bolha’. 

Ao longo do ano, há uma série de factores que ocupam o dia-a-dia de um casal. Desde as obrigações profissionais às lides domésticas, passando pelos filhos e as respectivas famílias. Tudo isto obriga a uma rotina, por vezes rígida, para conseguirem chegar a tudo e todos. No meio de tantas tarefas, que proporcionam uma «pseudo-estabilidade» na relação, acaba por haver pouco espaço para a comunicação, a intimidade e a espontaneidade entre ambos.

Uma situação que se prolonga e agrava ao longo dos meses. Os laços conjugais vão-se enfraquecendo mas, como não têm tempo – ou acham que não têm tempo – para lidar com esta questão, vão adiando. As férias (de Verão ou qualquer outra pausa prolongada ao longo do ano) acabam por ser encaradas como o momento ideal para lidarem com as frustrações acumuladas. E muitos casais chegam a olhar para este período como ‘a última oportunidade’ que vão dar ao relacionamento, ou como a altura para darem tudo por tudo para salvarem a relação.

Aquilo que acaba por acontecer, porém, é exactamente o oposto. «Em vez de ser um tempo para renovar energias e consolidar ou reparar a relação, o período de férias mais prolongado, onde a convivência é mais intensa, pode produzir uma consciencialização das frustrações», esclarece a psicóloga. 

Uma época que deveria servir para o casal ‘recuperar o tempo perdido’ acaba por se tornar quase um ‘campo de batalha’. Como não sabem como ocupar o tempo livre, porque não conversaram entre eles sobre aquilo que queriam fazer durante as férias, e como não têm os habituais agentes externos para usar como desculpa, acabam por discutir. 

«As férias são quase sempre idealizadas com expectativas irrealistas, com a ilusão de que as dificuldades se irão solucionar por magia. A verdade é que, se estas não forem planeadas, acabam por ser uma época de desapontamento. E se as pessoas esperam que estar na presença um do outro seja suficiente para que tudo se resolva, as férias estão condenadas ao fracasso», garante Maria de Lurdes Leal.

A especialista realça que este período de férias deve ser pensado para os dois, isto é, de modo a que proporcione momentos de prazer entre o casal – mas também a título individual. Quando uma pessoa se sente mais realizada e feliz, os conflitos acabam por diminuir.

Potenciadores de conflitos: os filhos…

A prole, independentemente das idades, também pode contribuir para o aumento dos conflitos entre o casal. «A incumbência de serem os pais a tomarem conta directamente dos filhos, permanentemente e sem a ajuda das pessoas a quem costumam entregá-los ao longo do ano, também pode potenciar conflitos camuflados no tempo fora das férias», diz a terapeuta. 

Durante o ano lectivo, as crianças passam grande parte do dia na escola, ou entregues aos avós, ou a empregadas domésticas, que tomam conta delas até os pais chegarem a casa. Na prática, as horas passadas em família são poucas, especialmente comparando com o período de férias. Sem escola, as crianças exigem mais atenção dos pais, que, à partida, estão mais disponíveis, uma vez que eles próprios não estão a trabalhar. Só que muitos progenitores não sabem o que fazer para ‘entretê-los’ durante tanto tempo. 

Para Maria de Lurdes Leal, é importante que o casal divida as tarefas relativas aos filhos e funcione em parceria nesta altura em que é suposto descansar mais: «Como não se apoiam enquanto cônjuges, têm problemas entre eles. Culpam o outro de ser negligente ou intrusivo, e não se tornam aliados nesta situação. Se o casal não perceber que tem de se mobilizar para fazer repartidamente aquilo que tem de ser feito, e se, em vez disso, fica à espera que o outro resolva a questão, vai gerar-se um conflito». 

…e as famílias

As respectivas famílias estão muitas vezes presentes durante as férias grandes. Seja porque, durante estes dias, o casal decidiu visitar os familiares – nomeadamente os pais -, seja porque optou por levá-los consigo para as férias, estes podem tornar-se mais um factor de perturbação. 

Ir de férias com os pais do companheiro pode ser um desafio complexo, por mais que a relação seja saudável e sem conflitos. Ao passarem muitos dias juntos, podem surgir diferenças de opinião. Coisas como quando vão à praia, a que horas vão jantar, se as crianças podem ou não fazer determinada actividade podem ser mais difíceis de gerir do que aparentam. Isto sem falar na questão ‘entre marido e mulher não se mete a colher’ – que muitos sogros optam por ignorar. 

«Os pais muito dificilmente se vão coibir de interferir nos conflitos entre o casal, o que pode gerar tensões muito difíceis de deslindar», adianta a psicóloga. 

Em algumas situações, inconscientemente (ou em certos casos de livre e espontânea vontade), os avós podem desautorizar os filhos, ou até colocar o respectivo filho numa posição desconfortável em relação ao cônjuge. 

«Podem fazer com que o filho (ou filha) fique muito mais tenso, obrigando-o a estar alerta ao comportamento dos pais. A pessoa, que é o traço de união entre um lado e outro, acaba por desempenhar um papel quase diplomático e de contentor de algum conflito que possa deflagrar», afirma Maria de Lurdes Leal. 

Um fim sem solução?

Mas toda esta situação não é algo inevitável ou sem solução. É uma questão que implica um empenho de ambas as partes e uma análise consciente do problema e das possíveis soluções. E tudo isto só pode ser feito através de uma conversa honesta entre os cônjuges, por mais assustador que possa parecer. 

No final das férias, em vez de se precipitarem num ponto final na relação, a especialista em terapia de casal aconselha a deixar passar algum tempo sobre «o foco de tensão». Nem que seja para terem mesmo a certeza daquilo que querem fazer.

«O divórcio gera um sofrimento muito profundo, mas uma má conjugalidade também. Um ponto final faz com que as pessoas se responsabilizem sozinhas pela sua vida, deixando de poder atribuir culpas ao outro», conclui. 

Maria de Lurdes Leal deixa ainda algumas estratégias e sugestões para que as férias grandes não sejam um pesadelo – e que não precipitem a decisão de divórcio ou separação. 

rita.porto@sol.pt