Divórcio fatal

A ser verdade, a história contada ao jornal Observador por uma das protagonistas involuntárias dos cartazes do PS é grave: configura abuso de poder sobre uma trabalhadora em situação precária.

Nos seus contornos especificamente laborais não será uma história inédita: conheço de perto vários casos de coacção sobre trabalhadores a recibo verde.

Casos que são silenciados porque não chegam a ter expressão pública, ou porque as ameaças incluem uma exposição pública que vulnerabilizaria o coagido – a palavra do próprio seria prontamente desmentida pelos empregadores, que geralmente nestas emboscadas agem em matilha.

De qualquer modo, utilizar a imagem de alguém sem uma autorização assinada pela pessoa revela um amadorismo que só prejudica quem o comete.

Nada disto se prende com a política em si, porém. E é de política que se trata.

Ora o que esta campanha tem revelado – tanto por parte do PS como da coligação PSD/CDS – é um divórcio gigantesco entre representantes e representados. O crescimento do desemprego, bem como o êxodo de desempregados para outros países são realidades bem concretas dos últimos anos – com a agravante de que esta nova vaga de emigração tem enxotado de Portugal gente altamente qualificada, uma nova geração em cuja formação, sob a égide de Mariano Gago, o país investiu fortemente.

Seria fácil encontrar desempregados e emigrantes dispostos a dar a cara e contar em duas linhas as suas odisseias: bastaria procurá-los nas ruas reais ou virtuais deste mundo global. Seria fácil encontrar famílias que perderam a casa e passaram da mediania à pobreza.

A política, tal como o jornalismo, consiste em falar com terceiros – não os nossos próximos, mas os que estão fora dos nossos círculos, e, demasiadas vezes, fora de quaisquer círculos.

O florescimento da extrema-direita e a propagação do fanatismo religioso entre as camadas jovens na Europa estão directamente ligados ao divórcio entre as populações e os partidos da esquerda e da direita moderada, ou seja, os partidos de poder.

A esquerda europeia foi incapaz de integrar os emigrantes de outras culturas, e de perceber os efeitos explosivos dessa marginalização, em particular sobre as camadas mais desfavorecidas da população nacional; por isso, começou a perder eleições.

A direita democrática, por sua vez, entendeu, como sempre entende, que autoridade e força resolvem tudo – os motins e mortos nos bairros suburbanos de Paris, (2005) e Londres (2011) provaram que não é assim.

Entretanto, a direita nazi tem vindo a ganhar cada vez mais poder, e o fundamentalismo islâmico também – porque esses sabem onde estão os desapossados e revoltados, sabem como lavar os cérebros dos que nunca conheceram o luxo do pensamento e como canalizar para o ódio a imensa energia da juventude.         

Os cartazes são um pormenor. Creio que a relevância deste instrumento de propaganda é nula, em termos de votos. Aliás, seria uma louvável economia que os partidos concordassem em acabar com eles – coisa difícil, porque os candidatos com menor exposição mediática certamente não estarão dispostos a isso.

Mas o que tanto os testemunhos reais/irreais do PS como os manequins estrangeiros dos cartazes da coligação PSD/CDS demonstram é um total desconhecimento dos rostos, anseios e desesperos do povo português.

Depois admiram-se com a abstenção, o alheamento e as derivas totalitárias.

inespedrosa.sol@gmail.com