A escolha do título, em português como em inglês, é pertinente. Verbo “especular”: relativo a espelho, examinar cuidadosamente, conjecturar. Encadear uma reflexão a partir de uma evidência inconclusiva: e não é o que acontece a partir do exacto primeiro momento em que alguém ama alguém? No caso da protagonista, as exigências da maternidade e do casamento, depois a sua derrocada, acompanham a destruição do sonho de se tornar um “colosso da arte”.
Professora de escrita criativa, ghost writer de um astronauta falhado, X é também revisora de factos para uma revista científica – daí a presença de curiosidades, aforismos e citações de grandes escritores. A obrigação de se dedicar à filha e a tarefas “ao mesmo tempo urgentes e entediantes”, numa casa infestada de percevejos, afasta-a cada vez mais do seu sonho. Afinal, “as mulheres quase nunca se tornam colossos de arte porque (estes) só se preocupam com a arte, nunca com coisas mundanas. Nabokov nem sequer fechava o seu próprio guarda-chuva. Era Vera quem lhe lambia os selos do correio”. Departamento de Especulações não é facilmente catalogável, nem na sua forma, nem no seu efeito sobre o leitor. Na verdade, se alguém conseguisse fotografar as nossas emoções (como Offill o tenta aqui): “A cólera aparecia como fogo de artifício. O amor como um borrão confuso”.
Livro:
Departamento de Especulações
Jenny Offill
Relógio d’Água
144 págs.,
15 euros