O mistério das sms

A primeira dúvida que tive ao começar este texto foi se devia escrever ‘dos sms’ ou ‘das sms’. Sempre usei a sigla sms no masculino e ninguém me corrigiu, mas hoje vejo toda a gente dizer ‘uma sms’. E, pensando bem, sendo a sigla sms as iniciais de Short Message Service, o que nós fazemos…

Entretanto, seja no masculino ou no feminino, o título acima, como o leitor já percebeu, refere-se a uma acesa polémica que se seguiu ao primeiro Benfica-Sporting desta época, que o Sporting venceu por 1-0.

O jogo dizia respeito à Supertaça, um troféu a que normalmente não se atribui grande importância, que opõe o campeão nacional ao vencedor da Taça de Portugal. Este ano, contudo, dada a badaladíssima transferência do treinador Jorge Jesus do Benfica para o Sporting, o duelo assumiu uma importância inusitada.

Tratava-se quase de um jogo de vida ou de morte. Como Jorge Jesus defrontava o clube que o tinha deixado fugir, se ganhasse o encontro vingar-se-ia da ‘ingratidão’ de que o Benfica dera mostras ao não tentar segurá-lo. Se, pelo contrário, o Benfica vencesse, provava-se que Luís Filipe Vieira tinha razão ao dizer que o importante, no clube, não é o treinador mas a ‘estrutura’.

A expectativa que rodeava o jogo era, pois, enorme.

E o Sporting não só venceu mas convenceu. Foi uma equipa alegre e aguerrida à imagem do seu novo treinador, que não pára quieto durante todo o jogo, enquanto o Benfica se mostrou apático e triste. Curiosamente, neste confronto, o técnico do Benfica, Rui Vitória, que em geral é calmo, agitou-se bastante durante os 90 minutos, parecendo contagiado pela carga eléctrica do seu opositor…

Ora bem, depois de todas estas emoções que deixaram exaustos, por razões diferentes, sportinguistas e benfiquistas, eis que sai no Correio da Manhã uma notícia segundo a qual Jorge Jesus tinha mandado, antes do jogo, sms provocatórias aos seus antigos jogadores. Como a informação só podia vir do lado do Benfica, ficou a ideia de que o clube encarnado procurava justificar a derrota na Supertaça com as sms enviadas por Jesus.

Isto, porém, era um enorme tiro no pé. Então o Benfica admitia que os seus jogadores se tinham diminuído pelo facto de Jesus os contactar? Que a sua condição psicológica era tão débil que se tinham deixado ir abaixo à primeira ‘provocação’? Que, ao mínimo problema, os jogadores do Benfica se sentiam desmoralizados ao ponto de se deixarem perder? Era fraqueza a mais…

A questão deu origem a inúmeros debates televisivos. E, numa conferência de imprensa, a pergunta foi feita directamente ao próprio Jorge Jesus, que se recusou a responder – ameaçando mesmo ir-se embora caso os jornalistas insistissem no tema. Como é natural, isso reforçou a ideia de que, no meio do fumo, havia algum fogo.

Pois bem: após o primeiro jogo para o campeonato nacional, contra o Tondela, quando se esperava que Jesus mantivesse a recusa em abordar a questão, eis que o treinador do Sporting não só fez o contrário como afirmou categoricamente: “Essas mensagens não existem! Se eles as têm, que as mostrem!”.

Confesso que fiquei surpreendido. Porque ninguém se expõe assim a ser desmentido na praça pública. Se as sms foram enviadas, ficaram gravadas – e, portanto, seria fácil desmascarar Jorge Jesus. Ora, até à data, isso não aconteceu…

Mas há mais. Na mesma conferência de imprensa, Jesus contra-atacou, dizendo que ele é que recebeu mensagens de jogadores do Benfica. E ameaçou revelá-las. Durante segundos a bomba ficou no ar. Mas, depois, o treinador adiantou: “Mensagens de amizade…”. Estas declarações vieram adensar ainda mais o mistério.

Beneficiando do facto de conhecer pessoalmente Jorge Jesus, posso dizer que, ao longo dos anos, ele tem mantido sempre contacto com antigos jogadores. Fala regularmente, por exemplo, com David Luiz e com outros que saíram do Benfica para o estrangeiro. Por isso, é natural que agora fale com jogadores do Benfica.

Daí, eu não ter estranhado a notícia do envio de sms. A questão para mim, na altura, não era ter ou não ter havido mensagens – mas sim a interpretação que lhes era dada. Parecia-me plausível Jesus ter trocado sms com jogadores do Benfica, parodiando o que se passaria no jogo – dizendo coisas como “Se o Benfica jogar assim ou assado vocês perdem…” – mas daí a ter montado uma ‘conspiração’ com vista a condicionar os jogadores do Benfica ia um passo de gigante. Não estava a ver Jesus a fazer uma coisa dessas.

Assim, não atribuí grande importância à questão das sms. Mas a negativa peremptória do treinador, desafiando o Benfica a mostrá-las, confundiu-me. E a ameaça velada de mostrar as mensagens que recebeu ainda fez crescer, momentaneamente, a minha confusão.

Mas, sobre este ponto, também posso adiantar qualquer coisa. Sei que alguns jogadores que saíram do Benfica falam a Jesus para criticar os treinadores dos clubes para onde se transferiram, comparando-os com o próprio Jorge Jesus. Ora, será que, ao ameaçar divulgar sms recebidas de jogadores encarnados, Jesus se referia a críticas de jogadores do Benfica aos métodos do treinador Rui Vitória?

Esta hipótese parece-me bastante verosímil. E, daí, a tranquilidade de Jorge Jesus.

Quando desafia os benfiquistas a mostrar as sms que lhes terá enviado sabe que nunca o poderão fazer – porque, a existirem, farão parte de trocas de piadas onde os jogadores benfiquistas se referirão, muito provavelmente, ao seu actual treinador.

E, neste caso, quem sairia mais chamuscado seriam os benfiquistas. Jesus seria acusado de tentar condicionar psicologicamente os seus antigos jogadores; mas estes estariam a atraiçoar quem hoje os treina e o próprio clube que lhes paga.

A dúvida está instalada. E pesa assustadoramente sobre o clube encarnado, onde fica a suspeita de existirem traidores – podendo vir a verificar-se uma caça às bruxas.

Uma coisa é certa: Jorge Jesus vai continuar por muito tempo a pairar como um fantasma sobre o Estádio da Luz. Tão depressa os benfiquistas não se vão livrar dele. E o pedido de indemnização de 7,5 milhões de euros que o Benfica fez a Jesus por quebra do contrato só vem prolongar uma novela onde os encarnados ficarão sempre a perder.

E que ameaça assumir proporções paranóicas. 

jas@sol.pt

Crónica originalmente publicada na edição em papel do SOL de 21/08/2015