Mário Centeno: ‘Como é que a direita não defende a redução de impostos?’

Não é fácil deixar hesitante um dos mais conceituados economistas portugueses a nível internacional, doutorado em Harvard, professor catedrático no ISEG e com anos de investigação no Banco de Portugal. Um truque é perguntar-lhe qual o melhor ministro que já ocupou pastas económicas. “Grande sarilho em que me meteu”. Outro é perguntar-lhe se vai votar…

O retrato de um académico do Banco de Portugal é muitas vezes pintado em tons de cinzento, mas Mário Centeno desfaz o estereótipo. Bom conversador, conta histórias, faz piadas, desmonta complexas teorias económicas em imagens simples. Saltou para a ribalta há poucos meses, depois de ter coordenado o grupo de peritos do PS que estudou o cenário macroeconómico e fez propostas para a próxima legislatura.

Crítico da governação

Já foi reconhecido na rua – por um vendedor de bifanas, segundo revela – mas ainda não esteve exposto aos meandros mais acérrimos dos partidos. E isso é notório na ausência de chavões políticos quando enfrenta as questões mais provocadoras.

Com o PS em tumulto por causa das presidenciais e de uma possível campanha bicéfala entre Belém e Nóvoa, confessa que ainda não pensou no assunto. “É muito cedo. Temos a infelicidade de haver uma grande proximidade de eleições. Mas não tenho nada contra eles. Nem contra qualquer um dos 17 candidatos ou os quatro que nunca se sabe se são ou não são”.

Quanto a quem melhor fez nas pastas económicas, assume que é difícil apontar nomes porque é “muito crítico” das opções tomadas nos últimos anos ou até décadas, por Governos de todas as cores partidárias.

A receita para a legislatura

Centeno apareceu ligado ao estudo do PS por convite de António Costa, mas a relação mais próxima que tinha era com Fernando Medina, o presidente da Câmara de Lisboa. Cruzaram-se quando esteve na comissão do Livro Branco das Relações Laborais, em 2007, e Medina era o secretário de Estado com essa pasta.

Garante que não foi uma lotaria aparecer associado ao PS. Revê-se nos ideais socialistas e, para quem entrou na política há pouco tempo, já tem perícia nos ataques aos adversários. Condena a falta de concretização das propostas da coligação e defende-se das críticas do PSD-CDS ao programa do PS, por estimular o consumo das famílias.

“Se o programa eleitoral fosse uma receita, a procura interna seria q.b. E os estímulos da procura propostos são diminuições de impostos. Como é possível o mundo estar tão alterado e perturbado que a direita não defenda uma redução de impostos? É uma coisa tortuosa. Não há aumento da despesa pública”.

É quando se abordam os receios económicos da direita, caso o PS vença, que as palavras se tornam mais incisivas. Discorda de um enfoque excessivo no controlo do défice externo – de forma simples, o saldo das trocas da economia portuguesa com o exterior – e da forma como foi desenhado o programa da troika. “Ter o défice externo equilibrado seria ter inventado o homem-novo. Seria comermos só beldroegas em vez de rúcula. Se um português quiser comprar uma televisão só pode importar. A solução então é não comprar televisões? Essa foi a leitura do FMI. Para controlar o défice externo vamos tirar-lhes o dinheiro, porque dessa forma eles não gastam. Assim é simples ser economista”.

Mário Centeno foi um dos melhores alunos no ISEG e um dos primeiros a frequentar a prestigiada universidade de Harvard. Mas o mito do estudante nerd, tal como o do economista cinzento, é desmontado. Durante a faculdade, foi dirigente associativo e jogador federado de rugby. Garante que a entrada em Harvard foi o misto de “algum talento e muita sorte”.

Fintar a estatística

A sorte foi ter sido incentivado por António Sampaio e Melo, na altura director do departamento de estudos económicos do BdP, quando as probabilidades eram baixas. “No ano anterior tinha entrado em Harvard um amigo meu de Olhão, onde nasci. Eu costumava dizer que Harvard não iria aceitar pessoas de Olhão dois anos consecutivos. Era estatisticamente impossível. Falhou a estatística. Olhão passou a ser a cidade de 10 mil habitantes do mundo com mais estudantes em Harvard. Éramos dois estudantes por cada cinco mil habitantes”.

A experiência marcou. Centeno transpira a falta de prosápia dos norte-americanos e encara com naturalidade a relação entre universidade e política. Quando entrava no gabinete dos professores nos EUA, era habitual ver fotos de docentes com Bush ou Clinton.

Agora que já é olhado como o próximo ministro das Finanças ou da Economia, a ida para um cargo subiu-lhe à cabeça? “Não é algo que seja eu a decidir, por isso não é coisa que me preocupe. Claro que um determinado resultado nas eleições aumenta essa probabilidade”. Está nas listas do PS e mesmo que não vá para o Executivo tem lugar na bancada parlamentar. “Temporariamente, a minha perspectiva neste momento é de intervenção pública. Mesmo que esse temporário dure mais algum tempo, nunca vai deixar de ser temporário”.

Bar: LightHouse  bar – Parque das nações

Bebidas: Dois Ginger Ale e uma Coca-Cola

Conta: 6,6 euros

joao.madeira@sol.pt