Há ‘Baile’ no São Luiz

Se fosse como na música ‘Valsinha’ de Chico Buarque, o homem chegaria a casa com uma disposição diferente e ela iria buscar o vestido para irem até à praça dançar. E seria tanta dança que a vizinhança iria toda despertar, com beijos loucos e gritos roucos até o dia amanhecer em paz. Mas ainda que…

“Aqui não há pares. Este baile nunca vai acontecer de verdade”, explica Sara Carinhas, uma das criadoras do espetáculo. “A ideia nunca passou por ser um musical. Queria fazer alguma coisa diferente do que andava a fazer ultimamente, que eram textos muito duros”. No impulso, pegou no telefone e ligou à também atriz Carla Maciel para partilhar a vontade. “Felizmente, teve uma grande repercussão nela, que estava com o mesmo espírito”.

A partir daqui, como deve ser num verdadeiro baile, a ideia deu muitas voltas. Começou por estar mais perto de um universo de cabaret, que continua presente de alguma maneira, mas seguiu outros caminhos. Manteve a música como motor, mas às duas criadoras foram-se juntando outras mulheres que “aceitaram estar neste sítio mais frágil” e subir ao palco com elas – Carla Galvão, Ana Brandão e a cantora Manuela Azevedo. “É que aqui não é só dizer texto, não é só cantar, não é só combinar movimentos. Todas temos de ser intérpretes, aceitar entrar por zonas onde podemos não estar tão confortáveis”. Zonas onde também foi importante encontrar outras cumplicidades artísticas, como as do coreógrafo Victor Hugo Ponte ou do músico Paulo Furtado, que ao longo de um ano, com várias mudanças de ritmo, também se juntaram ao projeto.

Difícil mesmo é dizer se o resultado final é mais teatro, mais dança ou mais concerto. “É complicado tentar pôr isto em caixas, não há aqui uma narrativa muito convencional”. O que houve foi um período em que viram muitos filmes musicais, como o homónimo Baile, de Ettore Scola, referência com a qual não se importam de brincar no título. E outra fase em que as cinco mulheres que aparecem em palco fizeram listas com as músicas sobre alegria que mais gostam, “o que é mais complicado do que pode parecer à partida”. Sobretudo quando também era importante para todas que fossem músicas em diferentes línguas, do grego ao crioulo, e muitas delas bastante reconhecíveis.

Em palco há também uma banda, composta só por homens. O que não significa que não se trate neste espetáculo de um universo feminino, ao qual é impossível fugir. “Os homens estão lá, mas não podem ser os pares delas. Estas mulheres, apesar de tudo, estão sozinhas”. E estarem sozinhas, envolvidas por aquele imaginário de baile em que esperam para poder dançar a música perfeita com a pessoa perfeita, não é igual a estarem tristes. Nem é igual ao seu contrário.