A 5 de maio de 2014, os agentes da Polícia Judiciária (PJ) responsáveis por vigiar alguns dos suspeitos do processo encontraram o então ministro da Administração Interna numa reunião com Zhu Xaiaodong (um dos chineses constituídos arguidos no processo), António Figueiredo (então presidente do Instituto dos Registos e Notariado – IRN), e Jaime Gomes, seu amigo e antigo sócio na empresa JMF Projects & Business (que Macedo abandonou em 2011). Nesse encontro, o quarteto terá acordado «os termos e propósitos da criação de uma sociedade na China com vista à expansão do negócio», segundo refere um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de abril deste ano, que manteve António Figueiredo em prisão preventiva.
O plano de expansão da atividade para a China previa ainda que fosse constituída uma «associação comercial» ou «clube de elite» de empresários chineses e portugueses, mediante o pagamento de quotas anuais. Na discussão em que participou Macedo, terá ainda sido analisada a forma «como se efetuaria a entrada dos sócios» e «o pagamento de despesas com futuras deslocações à China».
O projeto incluía ainda a criação de «uma lettter, escrita em mandarim» e a ser divulgada pela empresa JAG-Consultoria e Gestão junto de contactos na China. A empresa tinha como sócios Jaime Gomes e Luís Barros Figueiredo e foi constituída em outubro de 2013.
O ex-ministro – que se demitiu em novembro, na sequência da revelação deste inquérito aos vistos gold – terá sido confrontado esta na terça e na sexta-feira pela procuradora da República Susana Figueiredo, titular do inquérito, com várias perguntas sobre o referido plano de expansão, durante o interrogatório no Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Mas estes não são os únicos indícios recolhidos pelo MP contra o antigo ministro. Macedo teve de encontrar justificações para encontros, jantares e presentes oferecidos por um cidadão chinês e para visitas deste a sua casa. Durante o inquérito, o MP também apurou que, a 16 de maio de 2014, Zhu, um empresário chinês do ramo imobiliário, e outro indivíduo de nacionalidade chinesa, passaram em casa de Miguel Macedo, por volta das 10h, antes de uma viagem para o norte do país.
Tráfico de influência e prevaricação
Foram ainda recolhidos indícios de que, no Natal de 2013, Macedo recebeu um presente de Zhu: duas garrafas de vinho e três volumes de tabaco. E o seu motorista também teve direito a ser agraciado, com um envelope vermelho, de conteúdo desconhecido.
Apesar de todos estes indícios estarem já reunidos em novembro passado – quando foram detidas 11 pessoas por suspeitas de pertencerem a uma rede de corrupção em torno da atribuição de vistos gold -, só 10 meses depois é que Miguel Macedo foi chamado para interrogatório e constituído arguido por suspeitas de prevaricação e tráfico de influência.
Acórdãos datados de Abril já não deixavam dúvidas sobre as convicções do MP: era «claro e cristalino» que Macedo era «o único responsável político» com «direta participação nos factos» e com «as condições» suscetíveis de ter cometido um crime de prevaricação.
No centro das suspeitas do MP está também uma ordem de Macedo, que o MP classifica de «ilegal». Quando, no fim de 2013, Zhu e Figueiredo começaram a pensar abrir uma agência na China para angariar clientes, Jaime Gomes terá contactado Macedo, levando o amigo e então ministro, «como forma de favorecer a referida atividade, e no âmbito dos poderes tutelares do MAI sobre o SEF, a dar ordens a Manuel Palos», então diretor do SEF, para que fosse nomeado um certo oficial de ligação em Pequim. Ao fazê-lo, diz o MP, Macedo terá violado «os procedimentos» sem atentar ao interesse público e favorecido «ilegalmente» os «interesses privados lucrativos» de Figueiredo e de Jaime Gomes.
O SOL tentou obter um comentário de Miguel Macedo, mas este não respondeu aos contactos.
silvia.caneco@sol.pt