Catarina, a implacável

Se os debates na TV fossem tão decisivos como os pintam, o Bloco de Esquerda ganharia as eleições. Vistos os factos e os argumentos, a pose e a ‘atitude’, como dizem no futebol, bem como as circunstâncias específicas de cada um dos líderes frente-a-frente, Catarina Martins foi a revelação da pré-campanha. Uma revelação contra si…

Catarina mantém a combatividade e o chamado instinto assassino, mas acrescentou agora um sorriso, muitas vezes mordaz, que mudou bastante a imagem com que nos chega. A máquina falante, quase sempre agressiva e muitas vezes agreste – exceto com Jerónimo, por causa das afinidades e talvez dos cabelos brancos – humanizou-se sem perder a acutilância e a eficácia. Pode não ter razão em tudo o que diz, mas di-lo com uma espontaneidade e uma convicção desarmantes, que a tornam uma adversária temível.

O amável Jerónimo e o imbatível Portas, assim como o Passos tranquilo e o Costa seguro (sem maiúscula), todos experimentaram dificuldades nos debates com Catarina, a implacável. 

Dir-se-á que é fácil a tarefa de quem não espera ter de responder no Governo pelas suas propostas radicais, se bem que aquilo a que chamamos radicalismo num dado momento histórico não raro deixe de o ser mais adiante. Além de que o radicalismo está presente, valha a verdade, em todos os discursos nesta campanha azeda. 

Mas importa ter em conta as circunstâncias e o ponto de onde partiu Catarina. Ela é somente a ‘porta-voz’ de um partido em declínio desde a saída do líder histórico e que devia estar completamente desacreditado após o deplorável caso Syriza, a que se colou desde a primeira hora. Fez parte, com João Semedo, de uma absurda liderança bicéfala inventada por Francisco Louçã para manter os equilíbrios internos num partido feito de vários.

Enquanto durou esse arranjo de circunstância, Catarina foi o aguilhão do sereníssimo João Semedo. Após a saída deste, ganhou uma segunda vida como verdadeira voz e rosto do BE. Múltiplas deserções, num partido já de si pequeno, deram origem a partidos que agora disputam votos ao quebrado Bloco, dentro do qual a jovem coordenadora teve de disputar eleições para ganhar o título de porta-voz. Obteve-o como que por favor, em face de um empate na votação.

Neste quadro, Catarina parecia destinada a acompanhar e ilustrar o inelutável definhamento do BE. Até que outra deputada, ainda mais jovem do que a porta-voz, trouxe o Bloco para a primeira linha da agenda mediática na Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso BES. Isto aconteceu no delicado momento em que a humilhação do Syriza era um dado praticamente adquirido e uma terceira mulher, Marisa Matias – as mulheres têm vindo a conquistar neste partido, por mérito e não por quotas, as posições com mais relevância e visibilidade – ainda aparecia abraçada a Tsipras. Mariana Mortágua recolocou o Bloco no mapa eleitoral da esquerda, ganhando credibilidade num momento em que ele a perdia. Catarina Martins deu-lhe, nas últimas semanas, o suplemento de ânimo de que carecia. Daí que as notícias do seu declínio sem remédio e da sua inutilidade política sejam talvez exageradas.

A carta a Sócrates

A conversa sobre quem chamou a troika e quem mais a queria cá é boa para o programa dos Gato Fedorento: uma fábula divertida que nada de novo acrescenta, nem serve para esclarecer o que está mais do que esclarecido. Foi o PS que a chamou, a contragosto e talvez tarde de mais, quando o desastre já estava iminente, mas foi o PSD que saudou a sua vinda e se propôs ir além dela. Nomeadamente para reformar o Estado, coisa que, viu-se depois, ficou na gaveta das intenções. Isto que toda a gente sabe serve agora para uma questiúncula absurda que ninguém pode levar a sério e que ridiculariza tanto o PS como a PàF. A divulgação, pelo Público, de uma carta de Passos oferecendo a Sócrates o seu apoio, já terá uma virtude se acabar com a discussão.

Um ‘tiro no pé’

António Costa lida mal com alguns jornalistas, ou com o jornalismo? A dúvida começa a ter razão de ser. A uma crítica, reage com um insulto por sms. Confrontado na rua com uma pergunta incómoda, desanca a perguntadora em direto. Havendo quem reclame o acesso a informação que não lhe interessa divulgar, recusa-o até o tribunal decidir. Se um jornalista lhe faz perguntas que não lhe agradam, chama-lhe porta-voz dos adversários. Tudo isto já é bastante perturbador. Mas quando Porfírio Silva, tido por guru costista, vem questionar o trabalho de jornalistas por serem familiares de políticos da PàF, sendo Costa filho e irmão de jornalistas, ganha sentido aquela ideia do ‘tiro no pé’, tão usada pelo velho jargão político e jornalístico.