2. Convém fazer uma correção conceptual: quem ganhou as eleições não foi o Syriza – foi Alexis Tsipras. O Syriza hoje, mais do que um partido político com substrato ideológico, é um instrumento de acesso ao poder devidamente instrumentalizado pelo Chefe de Governo da Grécia. Já escrevemos várias vezes que o projeto de Tsipras não é, nunca foi, um projeto ideológico ou de transformação utópica ou revolucionária da sociedade grega – foi, desde sempre, um projeto de poder pessoal, o que explica a substituição dos funcionários da “velha oligarquia” grega (composta por representantes do PASOK e da Nova Democracia) pelos amigos e camaradas de Tsipras. Neste sentido, Alexis Tsipras é um político nato: perceciona com nitidez e brilho o funcionamento dos mecanismos de conquista do poder e usa-os em seu benefício. Não há ideologia – há uma tomada de poder. E, como todas as tomadas de poder, o processo de ascensão política de Tsipras implicou o rápido estabelecimento de pactos com “o Diabo” europeu, que na mitologia grega, reinventada devidamente pela nova elite política, se chama Angela Merkel. Se o nosso caro leitor tem dúvidas sobre o que acabámos de afirmar, lançamos-lhe o seguinte desafio: interrogue-se, reflita, sobre a relevância do ato eleitoral realizado, ontem, na Grécia.
3. Como surgiu? Porque Tsipras aprovou um conjunto de medidas, aplicando o programa de reformas negociado com as instituições europeias, qualificadas como de austeridade e profundamente opostas ao discurso público do velho Syriza. Para que serviu o ato eleitoral? Para mudar de política? Nem pensar: tudo continuará na mesma, tendo o novo Governo de Tsipras intensificar a aplicação do programa de reestruturação financeira do Estado grego. Ou seja, as eleições só serviram para calar a oposição de esquerda a Tsipras; reforçar a legitimidade do Governo grego para aplicar o programa de austeridade; criar um cenário de inevitabilidade e de falta de alternativa no sistema político-partidário grego, passível de reforçar, ainda mais, poder de Tsipras. Quem ganhou ontem? Tsipras e o seu projeto político pessoal. Quem perdeu? O povo grego: a sucessão de atos eleitorais (inúteis!) servem apenas a lógica de sobrevivência política da ala ”Tsiprasiana” do Syriza, provocando danos reputacionais e de fiabilidade à Grécia. O que significa juros mais elevados, menos investimento e menos emprego para os gregos.
4. E será que os resultados eleitorais na Grécia terão repercussões em Portugal? Para alguma comunicação social portuguesa, a resposta é positiva: a vitória de Tsipras é um bálsamo para António Costa e o PS – e um revés para a campanha da coligação PÀF, embaraçando Passos Coelho e Paulo Portas. Nada de mais errado.
5. Primeiro: estes órgãos de comunicação social revelam-se mais socialistas do que o próprio António Costa, que sobre Tsipras e o Syriza já teve uma série de discursos diferentes e contraditórios. Já elogiou, já criticou; já elogiou de novo e já criticou mais uma vez. Portanto, o discurso de Costa sobre a situação politica grega é uma nulidade.
6. Segundo: os resultados na Grécia são, bem pelo contrário, profundamente desvantajosos para António Costa – e bastante favoráveis para Pedro Passos Coelho. Porquê? Muito fácil. A pergunta que devemos formular é: quem ganhou as eleições gregas e porquê?
7. A resposta é muitíssimo simples: venceu o partido que estava no poder e que negociou o plano de “salvação” financeira do Estado com os parceiros europeus. Porquê? Porque o eleitorado, em situações de crise e de risco de instabilidade, é sempre profundamente conservador: prefere o certo ao incerto, o conhecido ao desconhecido, a experiência à aventura. Os gregos pensaram: “ já passamos por muitas eleições e mudanças de governo; já sofremos muito; o melhor é prosseguirmos o caminho e não recomeçarmos tudo de novo!”. E decidiram, consequentemente, reeleger Tsipras, mantendo a anterior correlação de forças políticas.
8. Ora, transpondo as premissas políticas que explicaram a decisão do eleitorado grego, temos que há uma tendência na Europa que beneficia claramente Pedro Passos Coelho. Mais vale o caminho certo, seguro e feito de confiança – não daquela confiança proclamada nos cartazes, mas daquela que advém do trabalho já feito e dos resultados já apresentados – do que iniciar novas aventuras ou regressar ao passado despesista e irresponsável, votando nos partidos que levaram à quase bancarrota nacional. Ou seja: mais vale para dar uma segunda oportunidade a Passos Coelho e a Paulo Portas – do que desculpar José Sócrates e António Costa, fazendo regressar o PS ao Governo de Portugal.
9. Em suma, as eleições gregas e o seu resultado foram uma excelente notícia para Passos Coelho e Paulo Portas. Com um programa bem mais à direita que o programa do Governo português, Tsipras mereceu novamente a confiança do povo grego.