O pior da natureza humana manifesta-se ali em todo o seu esplendor: uma casca grossa de egoísmo envolvendo raivas, frustrações, invejas («esses gajos querem é promoção e tachos», «os refugiados querem é vir para cá mamar subsídios e obrigar as nossas mulheres a usar burka», etc), uma imensa ignorância com o medo que sempre a acompanha, e vontade de pontificar.
Quem não faz nada pelos outros tem ódio a quem faz.
Pergunto-me se aqueles que repudiam a ideia de apoiar os refugiados alegando solidariedade com os pobres portugueses alguma vez fizeram qualquer coisa para ajudar um desses pobres.
O que vejo é que, na linha da frente do acolhimento aos refugiados, estão as pessoas e instituições que também mais têm tentado combater a exclusão social em Portugal.
Se os currículos escolares incluíssem, desde o ensino básico, o serviço de voluntariado, teríamos uma população muito mais empática com o sofrimento alheio e muito mais capaz de transformar o mundo. A empatia é um elemento essencial da inteligência e da imaginação. E não se cria com teoria, mas com o contacto concreto com a dor.
Repete-se demasiadas vezes que a Europa tem uma matriz cristã, mas não é a essa matriz que se devem os valores que fizeram do espaço europeu um oásis de liberdade e direitos humanos: a matriz cristã levou às Cruzadas e à Inquisição.
As execuções públicas que hoje se praticam nos países islâmicos eram o espectáculo semanal de Lisboa ainda há poucos séculos, a coberto de uma ideia de cristandade.
A grande vitória da Europa foi ter conseguido fazer do laicismo a sua marca identitária fundamental, a partir do pensamento de meia dúzia de filósofos que souberam ver além do seu tempo e da sua cultura para chegarem ao conceito dos direitos humanos universais.
A igualdade de direitos e o Estado Social são os fundamentos da União Europeia.
Os seus tratados consagram deveres de asilo para refugiados. Do mesmo modo como não se aceitam na União países que pratiquem a pena de morte, não se podem aceitar países que tratem os refugiados como animais a abater.
O parlamento húngaro votou, com ampla maioria, leis que permitem disparar sobre os refugiados (embora com balas de borracha, sofisma poético) e invadir residências privadas para apurar se estão a albergar refugiados (aos quais, aliás, chamam migrantes, outro descarado sofisma).
Já não podemos dizer que o problema húngaro se resume à loucura do seu Presidente – aliás, a loucura de um chefe nunca age sozinha. Hitler e Estaline precisaram de exércitos, e tiveram-nos. Outros países do leste da Europa fecham as fronteiras e recusam quotas de acolhimento.
A ingratidão e o esquecimento continuam a intoxicar a História.
O lúmpen que despeja a lama do ódio anónimo nas redes sociais mostra-nos que a ideia de uma identidade humana básica ainda não entrou em milhões de cabeças, nem sequer na Europa.
A União Europeia tem de defender frontal e rapidamente os seus fundamentos e expulsar os países que não saibam defendê-los – está em causa não só o futuro dos refugiados, mas o da própria Europa.