É assim desde o número um do SOL: sem fogo-de-artifício, com acuidade e leveza, numa escrita enxuta e desempoeirada, Filipa Melo descasca neste espaço as novidades editoriais. Cabe-lhe agora, por uma vez, uma inversão de papéis pela autoria de uma reportagem, em dois tempos, sobre os homens – e mulheres – que vivem no mar, e agora publicada na coleção Retratos da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Em Os Últimos Marinheiros traça-se uma panorâmica dos pescadores e dos embarcadiços, através de uma viagem num navio de pesca de arrasto, neste ano, e outra, de uma semana de 2009, num navio de carga. Além de acompanhar os marítimos, ouvir as histórias de vida, bem como as suas aventuras, anseios e sonhos, a escritora e jornalista explica ao que cada um vai. E mostra o inexorável – e paradoxal – declínio das profissões e das atividades ligadas ao mar, desmentindo com números as supostas ‘estratégias’ e ‘desígnios’: “A atualidade do nosso imaginário mítico marítimo dissolve-se no desprezo coletivo pelo mar”.
Filipa Melo não se esquiva à carga poética do ambiente, mas aqui não há lugar para o chavão. Além do mais, recorre a Joseph Conrad e a Júlio Verne, a Pierre Loti e a Raul Brandão, a Camões e a Jorge Amado para nos entralhar (recorrendo à linguagem náutica). E quando damos por isso a reportagem chegou ao fim.
Como dizia na cerimónia de lançamento do livro a comandante Cristina Alves (uma das protagonistas), o problema de Os Últimos Marinheiros é saber a pouco. Sabe bem, sem dúvida, mas é de facto mais um aperitivo do que um repasto “farto e saboroso” como os que o cozinheiro Rocha preparava a bordo do Port Douro.
Quem sabe se o romance a suceder a Este é o Meu Corpo (ed. 2001) não resgatará a alma desta gente cuja “profissão mantém algo de intrépido e aventureiro” num ambiente em que se está “sempre à espera de descobrir qualquer coisa, no lado de lá do que é evidente”, como diz o comandante Luís Chula Viana?
Os últimos marinheiros
Filipa Melo
Fundação Francisco Manuel dos Santos
70 págs.,
3.15 euros
