2. Diz-se que não é a oposição que ganha eleições – são os Governos que as perdem. Pois bem, neste caso, o Governo não só não as perdeu – como as ganhou. E o PS perdeu uma eleição que os seus militantes já davam como adquirida. E os seus militantes e os intelectuais de esquerda que dominam o espaço público e julgam que são donos da democracia e que mandam nos votos dos portugueses: o Povo, mais uma vez, deu uma grande lição a todos – o voto é decidido, em consciência, por cada um. Ninguém é dono da democracia portuguesa, por muito que isto incomode a (alguma) esquerda portuguesa.
3. Ouvimos, por exemplo, Gabriela Canavilhas – a encantadora pianista apoiante fanática de José Sócrates – dizer que a culpa da derrota do PS se deve à…comunicação social! Como? É um exemplo típico de gratidão – António Costa, o político português construído pela comunicação social, a queixar-se da mesma comunicação social. Que absurdo! Esta declaração mostra bem que o PS tem uma relação difícil com a democracia – os dirigentes socialistas gostam muito da democracia e dos seus postulados quando lhes são benéficos. Só que a democracia não vale apenas em benefício do PS: a democracia vale para todas as forças políticas e para todos os portugueses.
4. Pois bem, a grande perplexidade da noite foi o facto de a análise aos resultados das eleições insistir na ideia de que a coligação ter perdido a maioria absoluta! Extraordinário: o Governo obtém uma vitória em que ninguém acreditava há um mês e o destaque da noite é a perda da maioria absoluta! Mas o suposto, o normal não seria a vitória do PS? O Governo, após aplicar um programa de austeridade, não se deveria apresentar desgastado e o PS rejuvenescido e cheio de vitalidade, após reflexão e troca de líderes? A vitória da coligação é um facto político relevantíssimo e digno de registo – e, por outro lado, a derrota do PS é um sinal político claro dos portugueses. A grande maioria dos portugueses rejeita o projeto do PS e desconfia da competência dos seus protagonistas cimeiros para governar Portugal.
5. Confessamos que, durante a noite, por várias vezes nos interrogámos: afinal, quem venceu as eleições? Pareceu que o grande vencedor da noite foi o PS de António Costa porque…passou de 28% para cerca de 32% e tirou – hélas! – a maioria absoluta à coligação! Por amor de Deus: esta interpretação dos resultados eleitorais feita por comentadores ligados ao PS, por Duarte Cordeiro (diretor de campanha de Costa) e pelo próprio António Costa é uma afronta para a história e para os militantes do PS! Então, o PS contenta-se em tirar a maioria absoluta à coligação que governou em estado de emergência e em aumentar o seu resultado eleitoral em 4% face ao resultado de José Sócrates, depois de ter chamado a troika? Tudo isto é muito pouco, muito poucochinho para um partido central para a democracia portuguesa como é o PS…Por muito que tentem e pretendam recriar a realidade, a verdade é só uma: as eleições foram ganhas pela coligação PSD/CDS. O PS é o grande perdedor da noite.
6. Logo, afigura-se incompreensível que António Costa não tenha apresentado a sua demissão na noite eleitoral. Pelo contrário, Costa afirmou, com ar sério, de que não abdicará da liderança do partido socialista. E a sala aplaudiu – aliás, durante a noite, houve sempre muita festa e muitos sorrisos entre os socialistas que se deslocaram ao hotel Altis. Parecia que ninguém ficou muito incomodado com a derrota.
7. Ora, nós sempre achámos que António Costa não tinha nem o perfil, nem a competência necessária, nem tão pouco rasgo político para ser Primeiro-Ministro de Portugal. Julgávamos, todavia, como escrevemos na quinta aqui no SOL, que António Costa era um homem de palavra. Afinal, não é – António Costa faltou à sua palavra e revelou uma incoerência altamente censurável. Há pouco mais de um ano, Costa desafiou a liderança do PS por considerar que não bastava uma vitória poucochinha nas europeias, a qual tinha sido obtida por António José Seguro e Francisco Assis. À vitória histórica da direita tem de corresponder a vitória histórica do PS – frase que sintetiza a doutrina que legitimou o assalto à liderança de António Costa em 2014.
8. Volvido um ano e realizadas as legislativas, sucede que o PS de António Costa sofreu uma derrota clara frente a Passos Coelho e Paulo Portas. Não foi uma derrota poucochinha – foi uma derrota evidente e folgada. Ilação política de António Costa: os portugueses mostraram que o querem à frente do PS! Como? Como é possível? Isto já ultrapassa a incoerência – é puro descaramento. Dá um ar de apego ao poder, de arrogância intelectual e política, de submissão dos interesses do PS à agenda política pessoal de Costa num grau intolerável. Se António Costa não se demitir nas próximas horas, ficará com a sua imagem política ainda mais fragilizada aos olhos dos portugueses. Ao líder político derrotado, juntar-se-á a imagem de homem sem palavra ou homem com duas caras: uma na avaliação dos outros; outra cara, bem diferente, na avaliação do seu próprio desempenho.
9. Deixemo-nos de rodeios: a posição política de António Costa é insustentável. Como se poderá justificar que uma vitória por poucochinho fundamente a saída forçada de António José Seguro da liderança do PS – mas uma derrota não por poucochinho de António Costa legitime a sua continuação como líder do PS? Não pode. Se o PS consentir na continuidade de António Costa, dará o primeiro passo rumo à sua irrelevância política.
10. Amanhã prosseguiremos a análise dos resultados eleitorais de domingo, colocando o foco nas soluções governativas.