‘Independente’, o adjetivo encantador

Os jornalistas e a resma de comentadores (ou ego-exorcistas) cá do burgo lidam com realidade política como os atuais adolescentes com as grandes marcas de roupas. Usam-nas com a convicção de quem sai a despique para viver o momento e dele ficar marcado como a manada pelo dono, e largam-nas com desprezo quando a moda…

Foi no palanque desta lógica, borrão de rutura e rebeldia, que jornalistas e ego-exorcistas levaram aos ombros António Sampaio da Nóvoa mal este se candidatou às presidenciais sem chancela partidária. O ex-reitor apresentava-se como independente e o adjetivo tão comum nesta “Paísa” (diria o poeta O’ Neill) vibrou como se o seu conteúdo estivesse para parir finalmente algo de revolucionário que viesse criar de uma assentada: mundo novo, homem novo. Esquecera-se já o fenómeno e desfecho do descansado Fernando Nobre.

Mas será que alguém acreditou que Sampaio da Nóvoa era verdadeiramente um independente? Não, nem interessava, problema dele. E apesar de, na formalização oficial do seu parto político no Teatro da Trindade, ter ao seu lado, entre outros, Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, tão distantes politicamente, pelo menos no passado, sentia-se o peso do desejado António Costa que se refugiava no silêncio da expressão: quem cala, consente. Bloco de Esquerda e PCP cultivavam a mesma simpatia silenciosa. E Sampaio da Nóvoa atravessou, com ‘bonne presse’, quase toda a campanha eleitoral. Na reta final, com as sondagens a vaticinarem um golpe nas pretensões do PS, o reitor candidato foi sendo esquecido.

E no dia seguinte às eleições, num país com um estado físico semelhante aos de um toxicodependente que vive entre a ressaca e apoteose, pasme-se, não existiam derrotados a não ser Sampaio da Nóvoa que nem entrava nesta corrida. Muda-se o foco para as presidenciais, Marcelo troca o exorcismo pelo bruxedo do país, Costa, emparedado, não se compromete. E os jornalistas, apoiados pelos ego-exorcistas de serviço, enquanto os políticos não decidem o que fazer com os cacos eleitorais, viram-se para Sampaio da Nóvoa e, sobre este e o adjetivo que o acompanha, despejam a derrota que ninguém quer assumir. Dão o sujeito e o adjetivo como perdidos e asseguram em primeiras páginas e aberturas de telejornais que o homem que padece do mal de apenas ter carreira universitária e não um caderno de encargos políticos vai desistir da corrida a Belém. O encantador adjetivo ‘independente’ perdera-se entre as apostas partidárias: venham os do costume, não se fragilize o que se partiu, não se entale mais ninguém.

No meio do arrazoado, foi Sampaio da Nóvoa, ontem, numa conferência inesperada, quem pôs no sítio os que não dão um passo fora da nauseabunda lógica estabelecida. Neste momento, ele, ainda faz mais sentido, afirmou à imprensa. Parece que o homem foi o único que ouviu a confissão deposta em urna: “Não, não somos burros! Não, não queremos mais disto”. Lição de reitor aos que tanto abusam do adjetivo.

felicia.cabrita@sol.pt