Costa aguenta?

Aestabilidade do sistema partidário foi um dos aspetos mais sublinhados nas leituras dos resultados deste domingo, tendo em conta que os três partidos pró-europeus responsáveis pelo governo nas últimas décadas mantiveram uma elevada representação eleitoral: cerca de 70% dos votos expressos.

Poucos deram a devida importância ao facto de, numas eleições gerais disputadíssimas, marcadas pela crise e por uma maior oferta de opções, a abstenção ter continuado a crescer, ultrapassando agora os 43%. E de o número de brancos e nulos se manter firme nos 3,7%, que correspondem a 200 mil votos – quase metade da votação na CDU, que lhe deu 17 deputados. 

Nada disto prejudicou, bem pelo contrário,  os  dois  partidos  com representação parlamentar que põem em causa a permanência no euro e advogam uma rutura dos compromissos internacionais do país com os seus parceiros de sempre. O PCP manteve-se nos níveis habituais e até cresceu ligeiramente em relação a 2011, enquanto o Bloco de Esquerda mais que duplicou a representação parlamentar. A isto junta-se o facto de a coligação PSD/CDS ter perdido 700 mil votos, dos quais menos de 200 mil foram recuperados pelo PS.

É verdade que os novos partidos ficaram reduzidos à insignificância política, assim como os velhos que subsistem há 40 anos para pouco mais do que promover os ‘proprietários’ que deles se apoderaram, parece que para sempre. A esmagadora maioria dos eleitores sabe muito bem distinguir um partido de uma figura ou de um grupo de amigos que tentam subir na vida à sua custa. Mas a ideia de que os resultados correspondem a uma vitória da estabilidade do quadro partidário não passa de uma ilusão de ótica. 

Pode dizer-se que Portugal não é a Grécia, nem a Itália, nem a Espanha, mas importa acrescentar um ‘por enquanto’. Os riscos, se não já os sintomas de uma ‘syrização’ a prazo, existem e são percetíveis, não só nos resultados da votação, mas também na arrogância e na hipocrisia com que o PCP e o Bloco reagiram a eles. Após uma campanha em que desfizeram o PS e as suas propostas eleitorais, impedindo-o de chegar mais longe, não têm agora rebuço de lhe exigir que os leve para a área do poder, se não mesmo que governe com os seus programas. Mal se compreenderia que, para salvar uma liderança ou satisfazer uma ambição, António Costa cedesse, arriscando-se a mergulhar o país numa aventura suicida de que seria o principal responsável. 

Mais depressa do que a maioria das vozes que chegaram à TV, Cavaco Silva percebeu que os resultados das eleições, a pressão oportunista do PCP e do BE e a delicada situação em que ficou o PS podiam abrir caminho a uma via ‘syrizista’ para o desastre. Daí o nada ortodoxo expediente de incumbir Passos Coelho de tentar um acordo. Fê-lo sem ‘dar cavaco’ aos restantes partidos, nem sequer ao visado PS, uma opção desastrada que só acrescentou mal-estar ao já existente. Mas compreende-se a pressa de tomar a iniciativa antes da sucessão de reuniões partidárias cujos resultados poderiam torná-la extemporânea e inútil.

Logo na noite eleitoral, António Costa fez a separação das águas, tanto em relação à maioria PSD/CDS como em relação à dupla PCP/BE e à sua ‘maioria negativa’. Estabeleceu condições para entendimentos com a maioria, sem fechar nenhuma porta, nem à direita nem à esquerda, consciente do poder negocial decisivo que, por ironia, a derrota lhe proporcionou, e dispondo-se a vendê-lo caro. Nisso mostrou clarividência. 

Falta saber agora se António Costa aguenta a enorme pressão que sofre de todos os lados, começando pela dos adversários internos que o acossam. E se tem a grandeza de não sacrificar o país à sua vaidade pessoal e ao que julga ser o interesse imediato do seu partido, pois não pode deixar de perceber que, na situação periclitante e dependente em que Portugal se encontra, um Governo minoritário da PàF condicionado pelo PS é uma solução preferível – e bem mais consentânea com os resultados eleitorais – à de um Governo minoritário do PS dependente do PCP e do BE. Assim a PàF tenha também noção desta realidade e reaja em conformidade, cedendo no que tiver de ceder.

Por uma opção ou por outra, o PS pagará um preço elevado, que pode até comprometer a sua sobrevivência a prazo. Se viabilizar um governo à direita, trai as expectativas das esquerdas que agora exultam e a confiança dos eleitores que nele votaram para apear a coligação PSD/CDS. Sabendo-se que uma crise sem fim à vista como a que vivemos favorece o protesto e as posições dos extremos, o BE terá, em próximas eleições, uma via aberta para crescer ainda mais. Talvez a ponto de remeter o PS para um lugar secundário e irrelevante, à semelhança do que sucede com outros partidos europeus da mesma família. 

Se Costa decidir, pelo contrário, entregar-se nas mãos de comunistas e bloquistas, oferece o centro eleitoral à direita, subverte a matriz histórica do PS e, muito provavelmente, enfrentará uma cisão do grupo parlamentar que, além de poder abortar essa opção, tornará o partido ingovernável.

Dizer-se,  perante  isto,  que  o sistema  partidário  português  está sólido e resiste a todas as provas não passa de uma bondosa profissão  de  fé,  ou  de  um  voto muito  piedoso.