O clube dos cinco do conselho de segurança

Impõe sanções económicas, autoriza intervenções militares, norteia-se pela manutenção da paz mundial. O Conselho de Segurança (CS), o órgão mais poderoso das Nações Unidas, é também o que revela as maiores divisões e o alvo principal das críticas, como atesta o arrastar do conflito na Síria. Porque ao poder também se ata as mãos.

Nem um por todos, nem todos por um

Reuniu-se pela primeira vez a 17 de janeiro de 1946, formando uma cúpula com vencedores nos vários palcos da II Guerra Mundial: China, EUA, França, Reino Unido e (a então) União Soviética, membros permanentes do CS e os únicos com o poder paralisante do veto. A eles se juntam dez membros com mandatos de dois anos, eleitos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. Apesar de a barreira ideológica da Guerra Fria ter sido derrubada, não estão todos do mesmo lado da barricada: noutros palcos internacionais, são adversários.

Exemplo disso são as sanções e contra-sanções entre União Europeia (e EUA) e Rússia por causa do conflito na Ucrânia. Ou a China, que reitera o desagrado de ver o líder espiritual do Tibete recebido com honras de Estado por governantes ocidentais, uma desautorização de Pequim. No trono do CS digere-se muito sapo diplomático.

Crises internacionais é com eles. Ou não

Início de 1994. A força internacional UNAMIR (Missão de Assistência das Nações Unidas para o Ruanda), aprovada pelo CS para aplacar a disputa entre hutus e tutsis e apoiar um Governo de transição, soma 2.548 militares. A 6 de abril os PR do Ruanda e do Burundi morrem num desastre de avião – o Ruanda mergulha na violência e no genocídio. Sem fazer acordar um cessar-fogo, a UNAMIR vê-se na mira dos ataques: a 21 de abril o CS responde reduzindo a força para 270 homens, depois de vários países terem retirado tropas unilateralmente. Nova resolução, a 17 de maio, impõe embargo de armas ao Ruanda e delineia o reforço da UNAMIR para uns mais robustos 5.500 elementos – que demorariam perto de seis meses a materializar-se. Nessa altura, a guerra estava já terminada: cerca de 800 mil pessoas tinham sido assassinadas e a Frente Patriótica do Ruanda, maioritariamente tutsi, já tinha tomado a capital Kigali.

Foi lá, no ano passado, que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, reconheceu : “Podíamos ter feito muito mais. Devíamos ter feito muito mais”. E apresentou o mea culpa e a “vergonha” das Nações Unidas noutro conflito em que a organização também falhou o objetivo fundador. “No Ruanda, as tropas foram retiradas quando eram mais precisas. Um ano mais tarde, em Srebrenica, áreas declaradas ‘seguras’ pelas Nações Unidas estavam cheias de perigos, e inocentes foram abandonados para serem massacrados”.

Vetam, vetam, vetam e não fazem nada

Com quatro dos cinco membros permanentes já envolvidos militarmente no conflito, é a Síria o calcanhar de Aquiles mais recente do CS. Os EUA querem a saída do PR sírio Bashar al-Assad, que conta com a Rússia como o mais visível aliado. Esta divisão traduz-se em vetos: todas as propostas de sanções ao regime sírio são vetadas por Moscovo.

O Kremlin justifica os vetos com o facto de o CS não poder ser usado para derrubar regimes. Desde 2011, 11 milhões de sírios tiveram de abandonar as suas casas, mais de 220 mil morreram – enquanto os últimos quatro vetos russos (chegam a 10 recuando à última década) paralisam o CS perante o encarniçar da guerra. Sem Nações Unidas, a coligação liderada pelos EUA bombardeia alvos do Estado Islâmico na Síria e no Iraque. E as operações militares iniciadas sem aviso pela Rússia há duas semanas revelam que o objetivo é manter Assad no poder, bombardeando todos os opositores do regime.

No conflito no leste da Ucrânia – e sendo ‘parte interessada’ depois de ter anexado a Crimeia -, a Rússia também tem impedido a intervenção da ONU, por exemplo ao vetar a resolução do CS que condenava o referendo na Crimeia. Moscovo negou ainda a criação de um tribunal especial para o caso do avião da Malaysia Airlines abatido em julho de 2014 no leste ucraniano, alegadamente por rebeldes pró-russos.

Não é só Moscovo a mostrar ‘cartão vermelho’: Washington recorreu a esse trunfo três vezes nos últimos dez anos, para proteger o aliado Israel, que de outra forma seria sancionado por ações militares na Palestina. Pequim vetou seis vezes – e Paris e Londres não o fazem desde dezembro de 1989.

A França já propôs que, em casos de genocídio ou crimes contra a humanidade, o direito de veto seja voluntariamente suspenso. Ao Guardian, o embaixador gaulês François Delattre, representante permanente nas Nações Unidas, diz que poder do veto “não é um privilégio. É uma responsabilidade”. Mas a observação – que tem o apoio da Assembleia-Geral – não convence o homólogo russo, que teme manipulações do CS. Assim, continuam cinco Estados a poder contrariar propostas no universo dos 193 membros da ONU.

Na idade da reforma, sem querer reformar-se

Os críticos do CS criticam a perda de legitimidade para exigir alterações de fundo. A questão não é de agora: o equilíbrio de poderes é outro, 70 anos após a fundação da ONU. Potências como Alemanha, Japão, Índia e Brasil querem ter uma palavra a dizer.

“Precisamos de um novo método de trabalho para resolver problemas”, atalhou Angela Merkel no final de setembro numa reunião com homólogos desses outros três países.

O quarteto quer entrada para o clube do CS – e puxa África para o centro da discussão: também o continente devia ter um representante permanente, parecendo ser a África do Sul a mais bem posicionada. O embaixador sul-africano na ONU notou ao Guardian que “80, 85, 90% das discussões” do CS são sobre África. “Como podemos ter uma situação em que outras pessoas discutem o que se está a passar no nosso continente sem que nós participemos?”, questionou Kingsley Mamabolo.

Londres e Paris já mostraram abertura a uma reforma, EUA são menos efusivos no apoio, Pequim e Moscovo fecham-se em copas. Para se começar o caminho da reforma, seria necessário que dois terços da Assembleia-Geral aprovassem uma alteração à Carta das Nações Unidas – e também isso teria de ser validado depois pelo CS.

ana.c.camara@sol.pt