13 de outubro, 23.º dia de greve de fome por protesto contra o excesso de prisão preventiva. Luaty Beirão está no hospital-prisão de São Paulo, para onde foi transferido na sexta-feira passada. A família diz que ele já perdeu pelo menos dez quilos. Deitado numa cama, foi filmado mas recusa prestar declarações à comunicação social. À Lusa, o chefe do departamento de saúde dos Serviços Prisionais explica que o jovem de 33 anos “está a ingerir apenas água e chá com um pouco de açúcar”. Manuel Freire assegura ainda que “neste momento não há risco de vida nenhum”, reconhecendo no entanto que ele está “debilitado”.
7 de março de 2011. Tentativa de manifestação antigovernamental no Largo da Independência, na capital angolana. É tempo de Primavera Árabe, mas não em Luanda. Luaty estava lá e foi um dos detidos. “Quem fez alarido, quem fez a confusão toda foi o próprio regime. Tanta confusão à volta daquilo. Ameaçou as pessoas. Isso teve o efeito inverso em alguns de nós”, recordou Luaty em 2012 ao Maka Angola. Seguir-se-iam mais protestos, abortados pelas autoridades, alguns com recurso à violência, que o luandense, nascido a 19 de novembro de 1981, também sentiu na pele.
Nem sempre foi assim. Fruto de “uma terceira geração de angolanos, nascidos em Angola”, como explicou na mesma entrevista, foi criado no privilégio de ter um pai quadro do MPLA, que seria diretor geral da Fundação José Eduardo dos Santos. João Beirão faleceu em 2006, mas ainda viu o filho licenciado em Engenharia Eletrotécnica, em Inglaterra. Foi em Plymouth, onde estudou, que Luaty participou em 2003 numa manifestação contra a guerra no Iraque – “aquilo despertou em mim sensações e emoções fortes”. Por influência paterna tirou a segunda licenciatura, desta vez em França: “Se queres perceber o mundo, então faz Economia”.
O duplo licenciado que voltaria a Luanda era um homem novo. Afastou-se dos anteriores amigos: “No meu processo de crescimento distanciei-me da maior parte das pessoas que eu conhecia, que eram do meu meio e que preferiram continuar a ser fechadas e tapadas e estúpidas e a viver a sua vida despreocupadamente”.
Críticas explícitas ao Presidente
Integrou-se nas fileiras do ativismo. Enquanto Ikonoklasta – nome com que se apresenta como rapper, ele que se dedica ao género desde 1994 –, desafiou o antigo padrinho José Eduardo dos Santos. “Culpado da miséria no país não é só um/ mas o principal, não é segredo,/ chama-se Zedu”, relatava em ‘Sou Um Kamikaze Angolano E Esta É A Minha Missão’ (2012). Para que não restem dúvidas, interpelava o Presidente angolano: “És um pedaço de ferro, mano/ frio e inanimado,/ o teu coração (tens algum?) bate do lado contrário”, ainda com recados para duas das filhas do chefe do Estado. Mas a antecipar consequências para si mesmo – “sou persona non grata e amizade indesejada”.
E tem sido, nos últimos anos. Em junho de 2011, foi detido no aeroporto da Portela, em Lisboa. Um pneu de bicicleta que enviou pelo porão, numa viagem a Portugal, tinha mais de quilo e meio de cocaína. O músico negou qualquer envolvimento no caso e a justiça portuguesa, após ouvir Luaty, impôs-lhe a medida de coação mais leve: termo de identidade e residência. A agência estatal noticiosa angolana citava o advogado de defesa do rapper. Luís de Noronha explicava que a apreensão da cocaína tinha partido de ”uma denúncia” e que o caso levantava “sérias reservas às autoridades policiais portuguesas por haver indícios da não prática do crime”. À Okayafrica, o próprio Luaty haveria de descrever o episódio, que ele garante engendrado pelas autoridades de Luanda, como “descuidado”.
Se esse momento concentrou nele atenções, a greve de fome que ainda leva a cabo já levou a manifestações de solidariedade, de Luanda a Lisboa, passando pelo Mindelo, Berlim, Bruxelas, com anónimos a apoiarem a libertação dos 15 detidos. A Amnistia Internacional juntou-se ao coro. Nas redes sociais, grupos como o “Liberdade Já” alertam para detenções irregulares e apelam à justiça. O Parlamento Europeu condenou as violações dos direitos humanos em Angola, pedindo também a libertação dos presos políticos – o que levou a uma manifestação de repúdio por parte de Luanda.
As detenções aconteceram a 20 de junho, com um grupo de 13 – entre os quais Luaty – que liam a obra de Gene Sharp, “Da Ditadura à Democracia – Uma Estrutura Conceptual para a Libertação” (1993), transformada em manual de resistência às ditaduras e guia para as derrubar, e associada à Primavera Árabe. Dias depois, outros dois jovens seriam detidos.
Os 15, em prisão preventiva desde essa altura, seriam formalmente acusados, a 16 de setembro, de prepararem uma rebelião e um atentado contra José Eduardo dos Santos. Mas esgotado o prazo da preventiva ao fim de 90 dias, e sem que o tribunal prorrogasse a medida, os detidos iniciaram uma greve de fome. Nessa forma de protesto, apenas Luaty mantém a decisão.