Varoufakis aconselha socialistas portugueses a pedir novas regras europeias

Yanis Varoufakis desce as escadas do anfiteatro a acenar – dir-se-ia ser uma estrela de rock se não se soubesse que é o ex-ministro das Finanças da Grécia – e senta-se com o habitual cruzar de pernas descontraído. Foi convidado para ser conferencista da aula inaugural dos doutoramentos do CES, mas se inicialmente procurou estabelecer…

“Quando oiço alguns deputados socialistas dizer que estão dispostos a formar governo com outro partidos mais à esquerda, desde que se mantenham fiéis aos compromissos estabelecidos com a zona euro, eu penso: isso não vai funcionar.”, reagiu Varoufakis perante a possibilidade de Portugal vir a ter um governo de esquerda. Para o ex-ministro das Finanças grego, que esteve presente sábado à tarde na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra para dar início aos programas de doutoramento do Centro de Estudos Sociais (CES), “se a zona euro quer ser salva, é preciso criar novas regras, porque é impossível respeitar as que existem”. Apesar de se procurar manter atualizado sobre a política portuguesa, a sua conferência centrou-se na “Democratização da zona euro”.

Para aumentar o nível democrático europeu, apela a um novo modelo político. Divide em três passos distintos as mudanças que devem ser feitas. Para começar, maior transparência “através da emissão em direto das reuniões europeias e da publicação de todos os documentos nos quais as decisões são baseadas”, para combater a tomada de decisões em escuro para a população em geral. Em segundo lugar, “combater a pobreza ao nível europeu”, criada pela dívida pública e pela crise bancária, que requer investimento. Só assim se pode partir para o terceiro passo, que Varoufakis considera ser razoável dentro de dois anos – “Depois da União Europeia estabilizar é necessário que volte a acreditar em si própria”, reflete. “Devíamos realizar uma assembleia constitucional, para discutir qual deve ser o futuro dos Estados Unidos da Europa”, indica o ex-governante.

“Fico feliz de não ser um bom político”, lança a meio da conferência. Agarra a atenção do público com as referências irónicas que introduz pelo discurso, e intercala as explicações com episódios pessoais. A opinião que tem de si não é negativa, note-se. Em causa está a classe política atual. “Não é verdade que a condição humana se tem deteriorado ao longo dos últimos 20 anos. A inteligência dos jovens é superior. As suas aptidões e educação são superiores. Então porque temos políticos tão inferiores aos políticos de ontem?”, questiona retoricamente. Varoufakis, que defende que se devem assumir cargos políticos “altruísticamente, como forma de serviço público” e não pela ânsia de poder, acredita que atualmente “a política é muito aborrecida. Tudo o que é preciso é a capacidade de repetir o mantra”, critica.

“A soberania política foi sacrificada em prol da soberania do consumo”, declara. Ainda assim, e apesar de ao querer discutir as regras da União Europeia ter sido considerado, nas suas palavras, “um perigoso comunista”, a sua vontade parece estar longe de uma revolução que quebre o sistema existente. “Seriam os partidos de extrema direita, como a Frente Nacional, a beneficiar disso, não os socialistas democráticos”, remetendo para a crise de 1930 para explicar como se refletiu na propagação de ideologia de extrema direita e regimes ditatoriais um pouco por toda a Europa. Por isso pede, repetidamente que haja diálogo “não é que as boas medidas estejam a ser recusadas, elas não estão sequer a ser discutidas”. Afirma que em conversas com a Wall Street em Washington a sua proposta de restruturação da dívida for tida como lógica, mas que com Bruxelas é impossível dialogar. E por isso é preciso que as instituições evoluam num sentido de união real, em vez “de plantarem mais sementes da discórdia”.

O ex-governante grego e economista, demitiu-se a 6 de Julho como forma de protesto perante o acordo de resgate que a Grécia iria acordar com o Eurogrupo. Na apresentação da conferência, o reitor da Universidade de Coimbra referiu que “Esta é uma discussão que está muito relacionada com Portugal”, uma referência à crise que abala não só a Grécia mas também Portugal. E António Sousa Ribeiro frisou que Varoufakis é “um dos principais pensadores críticos da economia política” atuais. Caraterística essa mencionada ao longo de toda a sessão pelo economista como sendo essencial.

Notícia atualizada às 22h19