A coligação dos vencidos

Quando na noite das eleições António Costa entrou na sala para fazer a declaração de derrota vinha com um sorriso nos lábios.

E durante todo o tempo em que falou manteve o sorriso e disse várias graças.

Ninguém percebeu essa atitude: Costa afinal não tinha perdido? Não era o principal derrotado dessa noite?

Costa sorria porque já tinha delineado a estratégia: chumbaria o Governo da coligação e faria acordos à esquerda.

Nessa noite, António Costa já se via primeiro-ministro.

E pensava para si: o último a rir é quem ri melhor.

Mas esta coligação de esquerda, aritmeticamente possível, será política e economicamente viável?

Politicamente já está a levantar grandes problemas no PS, como era previsível.

Recorde-se que Mário Soares se afirmou em 1975 exatamente na luta contra o PCP.

O grande momento de Soares foi o comício da Fonte Luminosa onde disse ‘não’ a Vasco Gonçalves e ao Partido Comunista.

O PS cresceu imenso nesse combate contra os comunistas – e foi isso que lhe deu a confiança do país moderado, permitindo-lhe a partir daí formar vários governos.

Os eleitores votavam tranquilamente no PS sabendo que este governaria ao centro e nunca embarcaria em aventuras esquerdistas.

Ora, este tempo acabou.
   A partir de agora os eleitores moderados deixaram de poder confiar no PS – e em futuras eleições refugiar-se-ão em grande número no PSD.

O PS, neste momento, já alienou boa parte do seu capital histórico de confiança.

Entrou noutra.

Perdeu a posição central, passando a disputar com o PCP e o BE o espaço da esquerda.

Hoje, o PS já não é bem aquele que era antes das eleições.

É um PS internamente dividido, com algumas das suas figuras – de Francisco Assis a João Proença, de Vera Jardim a Sérgio Sousa Pinto, de Eurico Brilhante Dias a José Lello, passando pelo líder da UGT, Carlos Silva – perfeitamente atónitos perante o que está a acontecer.

E é um PS que desiludiu muitos dos seus eleitores.

De facto, muita gente moderada que votou no PS nas últimas eleições sentir-se-á hoje traída.

Vejamos agora as implicações económicas de um Governo de esquerda.

O investimento nacional e estrangeiro abrandará, como é óbvio, e os juros da dívida tenderão a subir – porque, com os comunistas no Governo (ou numa plataforma de apoio ao Governo), o que será uma novidade na Europa, Portugal passará a ser um ‘país de risco’.

Por outro lado, perante o cenário de incerteza, é também de prever que o consumo não suba tanto como o previsto no programa do PS.

Ora, com o consumo a estagnar, o investimento a cair e os juros a subir, serão necessárias novas medidas de austeridade.

Mas como aprovar medidas de austeridade com um Governo dependente de bloquistas e comunistas?

É preciso perceber o seguinte: a partir do momento em que tomar posse, um Governo minoritário do PS ficará refém do PCP e do BE.

Qualquer medida desse Governo precisará do voto favorável de comunistas e bloquistas.

Ora, se forem precisos cortes adicionais para respeitar o défice, eles não passarão no Parlamento.

O PCP e o BE votarão contra, em consonância com o que sempre disseram.

E noutros temas cruciais, como a reforma da Segurança Social, o PCP e o BE também não cederão um milímetro.

António Costa ficará só – e não terá como cumprir nem o seu programa nem as promessas que tem feito à Europa.

Nestas condições, é muito provável que Portugal venha a falhar as metas a que está obrigado e a entrar em incumprimento, dificilmente escapando a um segundo resgate.

A menos que Costa pense que, em caso de desespero, a direita sairá em seu auxílio e aprovará as medidas necessárias para evitar o descalabro.

Teríamos então aqui uma Grécia parte 2, quando Tsipras sobreviveu num momento crítico graças ao apoio dos deputados da direita.

Com uma diferença importante: Tsipras tinha ganho as eleições e Costa perdeu-as.

Tsipras tinha (e tem) a confiança do povo grego para ser primeiro-ministro, e Costa será o primeiro caso em Portugal de um primeiro-ministro que foi derrotado nas urnas.

Se a esquerda no passado disse que Santana Lopes não tinha legitimidade para chefiar um Governo porque não fora sufragado, como classificará a legitimidade de António Costa depois de uma claríssima derrota eleitoral?

António Costa nem sabe no que se está a meter.

Não tendo a autoridade de quem ganhou as eleições, estando refém de dois partidos que não acreditam na sociedade de mercado nem no euro, tendo de enfrentar a desconfiança dos mercados e dos investidores, Costa vai-se meter num grande trinta e um.

Para o PS, seria muito melhor deixar a coligação governar dois anos – e depois fazer cair o Governo e ganhar as eleições a seguir.

Mas isso teria implicado a saída de António Costa da liderança.

E Costa não queria sair.

jas@sol.pt