Por isso, ainda mais me impressionou uma conversa que terá havido entre José Sócrates e António Guterres, em que aquele descrevia entusiasmado os restaurantes caros, as viagens em primeira classe e outras extravagâncias que a Octapharma lhe pagava. Em resposta, Guterres terá respondido: «Arranjaste um grande tacho!».
Esta conversa entre dois homens que foram primeiros-ministros é edificante! Ainda por cima, dois homens que foram primeiros-ministros de Governos socialistas! Uma conversa em que um se compraz a descrever os privilégios de que beneficia e o outro responde de forma não muito elevada.
Ontem, José Sócrates podia ter aproveitado para fazer cair pela base esta imagem de homem gastador, viciado no luxo, sem grandes escrúpulos que os jornais têm transmitido dele através do que consta da investigação. Mostrando que é tudo um equívoco, que não gastou milhões, que a pessoa de quem falam não é ele — é outra.
Mas não: Sócrates atacou a Justiça. Talvez por tê-lo desmascarado.
Aliás, José Sócrates joga com a Justiça um jogo perigosíssimo. Ele sabe que, se fossem reveladas as escutas que estão guardadas num cofre, ficaria destruído como pessoa. Mesmo assim, ataca a Justiça – na convicção de que esta terá os escrúpulos que ele próprio não tem. Se Sócrates soubesse de Carlos Alexandre ou Rosário Teixeira um décimo do que estes sabem dele, não hesitaria em arrastá-los pela lama. Mas joga na presunção de que eles não o farão.
E é este homem sem qualidade que uma sala cheia aplaudiu de pé. Aquelas pessoas aplaudiriam o quê: um homem que fez uma vida de estadão à custa de dinheiros vindos não se sabe donde?
Há tempos escrevi um texto chamado Os Tolos Aplaudem, que, comentando outro caso, se adequava bem a esta situação. E Sócrates aproveita-se dos tolos para se lançar de novo contra tudo e contra todos.