Argentina dividida: sucessor para Kirchner só na 2.ª volta

Pela primeira vez desde 1999, os argentinos foram às urnas escolher um Presidente sem nenhum candidato chamado Kirchner. Entre o candidato preferido da actual presidente Cristina Fernández de Kirchner (Daniel Scioli) e um ex-presidente do Boca Juniors (Mauricio Macri) que promete cortar com o passado e liberalizar os mercados, o eleitorado partiu-se ao meio e…

Foi um balde de água fria para os apoiantes do atual regime: o opositor Clarín, jornal que durante os dois mandatos de Cristina Kirchner travou várias batalhas legais com o Governo, foi uma noite de “choro, desalento e deserção precoce do Luna Park”, local de Buenos Aires onde o Kirchnerismo celebrou inúmeras vitórias eleitorais e que servia de sede para a candidatura Frente Para a Vitória, encabeçada por Daniel Scioli.

Nesse local, a expectativa era a de uma vitória à primeira volta que desse legitimidade ao novo Presidente para continuar as políticas sociais de Kirchner. Mas o candidato do Cambiemos (Mudaremos) conseguiu a surpresa e alcançou 34,33%, contra 36,86% do seu principal opositor. Para vencer à primeira volta, Scioli precisava de 45% dos votos ou de um mínimo de 40% desde que tivesse 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo mais votado.

“O que aconteceu hoje vai mudar a política deste país”, disse Macri enquanto os seus apoiantes festejavam a passagem à segunda volta. Este engenheiro civil, que já presidiu ao histórico clube Boca Juniors, destaca-se do seu adversário pela forma como promete realizar imediatamente reformas económicas que aliviem as contas do país das políticas sociais dos Kirchner e abram as portas ao investimento estrangeiro, através de um combate à inflação e uma abertura aos mercados que o país não tem desde o final do século passado.

Com sensivelmente um mês de campanha para a segunda volta, Scioli e Macri dedicar-se-ão agora à caça ao voto dos 21,09% dos eleitores que escolheram Sergio Massa, um antigo chefe do Conselho de Ministros no Governo de Kirchner que nos últimos anos se tornou um dos principais rostos opositores do regime.

Os analistas lembram que esse quinto do eleitorado é composto por eleitores tradicionais do Peronismo que se cansaram da dinastia de Kirchner e dos problemas económicos que o país teima em enfrentar com as suas políticas. Depois de praticamente uma década a crescer após a bancarrota de 2002, a Argentina está de novo com sintomas preocupantes, como mostra o crescimento de 0,5% do PIB em 2014. Além disso, o Governo continua uma batalha legal contra fundos norte-americanos que não esquecem os mais de 100 mil milhões de dólares perdidos na crise do início do século.

Apesar do contexto, Cristina Kirchner foi votar com o sentimento de dever cumprido. “Depois de três eleições voltámos a votar num país absolutamente normal, ninguém tem nada para temer economicamente”. A mensagem esteve longe de receber um apoio unânime do eleitorado, que se mostrou fortemente dividido em todas as votações deste domingo, que também serviram para eleger 24 dos 72 senadores e 130 dos 257 deputados. As sondagens à boca da urna indicam que a Frente para a Vitória poderá perder o controlo da câmara baixa enquanto reforça a sua maioria no Senado.

nuno.e.lima@sol.pt