Saúde mental preocupante na Universidade de Lisboa

Em dois anos, triplicaram os alunos em lista de espera por apoio psicológico nas Universidades de Lisboa. A Faculdade de Direito registou, este ano letivo, um caso de uma estudante que pôs fim à vida.

Burnouts, depressões, esgotamentos. A saúde mental dos estudantes universitários é um dos principais problemas que se vive na comunidade estudantil. Este ano letivo, uma aluna da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) cometeu suicídio. As causas não se conhecem nem se pode ou deve imputar à instituição qualquer responsabilidade. Mas, mais uma vez, o tema da saúde mental voltou a ser uma prioridade tanto para a direção da Faculdade como para a Associação Académica. As listas de espera para os escassos gabinetes de apoio psicológico que existem nas universidades triplicaram nos últimos dois anos. E os vários estudos, tanto da responsabilidade do Ministério da Educação como os elaborados pela Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL) e pelas universidades apontam para um agravamento dos diagnósticos e das fragilidades da saúde mental nos estudantes. Um destes estudos, da AAUL, conclui que um conjunto de 40% dos alunos da Universidade de Lisboa já passou por «situações de burnout ou de esgotamento académico ao longo do seu percurso letivo». Por esta razão, 45 % dos estudantes já ponderaram desistir dos cursos.

As diversas investigações feitas sobre o tema indicam que os problemas relativamente a pressões psicológicas são um dos principais motivos que levam a que os estudantes abandonarem o ensino superior. O primeiro prende-se com as questões da habitação e o segundo, a par com o custo das propinas, é o burnout académico. «Uma realidade que verificamos é que o contexto económico – o impacto nos custos de vida e, em particular, nas questões da habitação – tem tido um efeito tremendo do ponto de vista psicológico dos estudantes», declarou ao Nascer do SOL Diogo Ferreira Leite, presidente da AAUL. O atual ano letivo foi particularmente duro. Os custos da habitação aumentaram significativamente: de uma média de 400 euros por mês por quarto, os estudantes passaram a pagar 470.

Apontar a pandemia como a causa para este flagelo «é um erro», afirma o dirigente: «A pandemia não acentuou os problemas, simplesmente veio tirar o véu a uma realidade que já existia.  É preciso que se trabalhe no autodiagnóstico e a pandemia conseguiu que se tomasse consciência do problema, dos sintomas». Só que faltam respostas. Um dos estudos feitos pelo anterior Governo relativamente ao final do ano passado revela que cerca de 27% das Instituições de Ensino Superior (IES) «não têm qualquer forma de atuar ou de dar resposta às questões de saúde mental no seio da comunidade estudantil». As recomendações internacionais, nomeadamente a Organização Mundial da Saúde, recomendam um rácio de um psicólogo para 500 estudantes. Em Portugal, o rácio é de um psicólogo para 3238 estudantes. Números que coincidem com a perceção dos estudantes: no estudo do Ministério da Educação, uma grande fatia de estudantes, cerca de 41%, considera que as suas universidades não veem a saúde mental como uma prioridade.

Além da falta de capacidade das faculdades para darem respostas, aquilo que está a verificar-se é as IES delegarem essa responsabilidade nas associações de estudantes. Atualmente, na Universidade de Lisboa, existem apenas dois gabinetes de apoio psicológico que são geridos por associações académicas. Um na FDL, que conta com dois psicólogos, que existe há cinco anos, e outro no Polo Universitário da Ajuda, também gerido pelos estudantes e que ainda não está em formação.

Ao Nascer do SOL, a direção da FDUL, informou que, para fazer face a este problema, «tem promovido diversas ações, através dos seus gabinetes (…) e respetivos núcleos de estudantes». Além disso, anunciou que «reforçou as verbas que vai aplicar no apoio psicológico aos alunos. Assim, está a ser analisada a possibilidade de reforçar a equipa de psicólogos, incluindo-os nos quadros de pessoal não docente, de acordo com a reforma orgânica em curso. Está também a ser realizada uma alteração de espaços (salas), para que esse apoio seja prestado num espaço privado e acolhedor». Tudo isto para responder a uma procura de ajuda e apoio que tem sido crescente, «com cerca de 1000 pedidos de consulta individual» desde 2019.

Faz ainda parte dos plenos da desta direção encetar contactos com a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa para as «situações de necessidade de encaminhamento para psiquiatria, enquanto não temos resposta por parte do Centro Médico».  A direção da FDUL, presidida pelo professor Vera Cruz, enfatiza ainda que a «existência de um financiamento para as questões da saúde mental é imperativa, para assim se poderem expandir os gabinetes de apoio psicológico das diferentes faculdades, com profissionais que realizem um trabalho de continuidade». E deixa ainda um recado à Reitoria: «Ainda assim, é imperativo que o Centro Médico da Universidade de Lisboa volte a ter consulta de psiquiatra, que é um dos nossos maiores handicaps do momento, pelo que o apoio da Reitoria é fundamental».

Uma das causas apontadas como sendo de risco para a saúde mental dos estudantes tem que ver com a sobrecarga académica. «Temos consciência de que existem muitas faculdades, que a nível pedagógico e académico, utilizam práticas muito antiquadas», afirmou Ferreira Leite ao Nascer do SOL. O grau de exigência dos próprios cursos, as práticas pedagógicas e a sobrecarga das próprias avaliações são algumas das destas causas. E os cursos onde os alunos estão mais vulneráveis a cederem à pressão é o de Direito e os do Instituto Superior Técnico.  «São instituições que já nos fizeram chegar e que se registam elevadas taxas de burnout e sobrecarga académica», revelou o dirigente académico.  Para mitigar este problema está a haver um debate no seio do ensino superior por forma a permitir saber qual é o melhor modelo de avaliação e qual o melhor modelo para se passar conhecimento. Ou seja, «um diálogo ente o modelo de avaliação mais assente em exames e na avaliação final ou um modelo que privilegie a avaliação contínua dos estudantes».

A direção da FDUL aponta como sendo várias as causas para o aumento dos níveis de ansiedade, depressão e burnout, entre outros, o qual se baseia num estudo recente na Universidade de Lisboa. «As causas podem ser inúmeras: desde fatores genéticos aos fatores ambientais, do contexto familiar ao pessoal, sem esquecer o académico». No entanto, considera que «é impossível estabelecer uma relação causa/efeito para as situações» com desfecho trágico. «Situações de saúde mental mais complexas são, habitualmente, multicausais e multifatoriais. Há vulnerabilidades pessoais e fatores individuais/contextuais que ajudam a explicar por que razão para algumas pessoas o desfecho é trágico, e para outras não. Dizer que isso acontece pelo motivo A ou B, é redutor e incorreto». Em relação aos métodos e critérios de avaliação, a direção garante que estes «são objeto de debate permanente».

 Para Diogo Ferreira Leite, outro motivo de preocupação dos estudantes é a falta de perspectivas, o que causa um elevado grau de frustração e risco de burnout e desespero. «A diferença entre os salários dos recém-licenciados e daqueles que apenas têm o 12º ano tem vindo aproximar-se o que gera um sentimento de que a formação superior está a perder a sua vertente de mecanismo de elevação social. E isso causa uma frustração e perda de sentido para o esforço».

Por fim, confessa aquilo que mais o preocupa: «O papel das federações e associações de estudantes não é serem prestadores de serviços e substituir o dever e a missão do Governo central, por isso, o meu receio é que por as associações estarem a ser obrigadas a se chegarem à frente, pode chegar o dia em que estas insuficiências sejam da responsabilidade não do Governo nem das universidades, mas das associações académicas». E conclui: «Uma faculdade não pode estar dependente da associação académica para dar resposta aos problemas de saúde mental dos estudantes».

ines.pereira@nascerdosol.pt

Artigo com correções feitas à versão da edição impressa, com informações prestadas pela Faculdade de Direito de Lisboa.