Passos Coelho rejeita liderar um Governo de gestão. E agora, Costa?

1. O fim de semana que passou ficou marcado pela discussão demorada sobre os cenários de governabilidade. É a velha e muito característica tendência dos portugueses, sobretudo das suas elites: o de complicar, o de tornar complexo o entendimento das situações da vida por muito simples que eles sejam. É esta é particularmente simples, pese…

2. Ou seja: de líder político sem palavra (já não se lembram do “poucochinho”, da exigência de António Seguro se demitir porque ganhou por pouco?) e derrotado (perdeu uma eleição que já todos davam como uma vitória adquirida), António Costa passa agora para o estatuto de chaperon de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins.  Talvez seja pelo hábito de realizar anualmente os casamentos de Santo António como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Costa quer virar agora padroeiro oficial do casamento das extremas-esquerdas desavindas. São opções de vida… Se o líder socialista se mantiver irredutível na sua obsessão de derrubar Passos Coelho e Paulo Portas – independentemente das consequências do ato para os portugueses –, terá de formar Governo, explicando aos portugueses, ponto por ponto, detalhe por detalhe, o acordo que celebrou (ou irá celebrar, ainda não percebemos) com a extrema-esquerda.

3. Não basta, pois, anunciar um acordo em abstrato, uma mera lista de vagas intenções; impõe-se saber as medidas concretas objeto do contrato político celebrado entre os socialistas de Costa e a extrema-esquerda. Porque a democracia não se esgota no voto, nem na distribuição de lugares e lugarzinhos – a democracia implica um constante e esclarecido escrutínio dos cidadãos em relação aos atos de quem os governa, incluindo, certamente, os atos preparatórios de coligações mais ou menos disfarçadas. Exigência tanto mais forte quanto menor for a legitimidade democrática material do Governo – como sucede com o mais que provável Governo frentista de esquerda, na medida em que, ao arrepio da Constituição política material, a força política mais votada se encontra excluída da governação.

4. No meio de tantas interrogações, os portugueses podem ter a certeza de que a hipótese de manter o Governo de centro-direita em gestão até maio não se encontra sequer em cima da mesa. Nem de Cavaco Silva (que não tem força política para o impor, muito menos para cogitar o empossamento de um Governo de iniciativa presidencial), nem de Pedro Passos Coelho. Parece estranho afirmar que Passos Coelho recusa liminarmente liderar um Governo de gestão? Nem por isso e as razões são claras:

I) Governar meses em gestão significa estar no Governo desprovido de qualquer poder útil para executar a mais singela política pública. Governar em gestão significaria administrar Portugal com poderes equiparáveis ou inferiores a um administrador de condomínio! Ora, esta situação poderá ser viável durante algumas (poucas) semanas – todavia, é profundamente insustentável durante meses. Passos Coelho, caso aceitasse ficar em gestão, submeter-se-ia, ele próprio, a uma situação de total impotência, falta de poder e de fragilidade que lhe seriam prejudiciais;

II) Ficar em gestão, na prática, seria promover a estratégia política de António Costa. Seria um presente de Natal perfeito para a afirmação política de Costa: este iria vitimizar-se atacando Passos Coelho e Cavaco Silva por lhe vedarem o acesso ao poder; falaria como o pioneiro da unificação da esquerda, o que lhe permitiria conquistar o voto útil dos eleitores do BE e talvez do PCP, exponenciando as suas possibilidades de atingir a maioria absoluta. Já Passos Coelho iria a eleições – porque estas são inevitáveis em Maio ou nos meses seguintes – desgastado, sem energia e com a sua credibilidade afetada, na medida em que se deixou sujeitar a uma situação política insustentável;

III) Um Governo de gestão é um sarilho constitucional e legal de uma dimensão monstruosa. Isto porque o conteúdo e a extensão dos poderes de um Governo em tais circunstâncias é matéria controvertida. Todos os atos – gerais, abstratos, individuais ou concretos – praticados pelo Governo enquanto órgão colegial ou pelos seus Ministros e Secretários de Estado seriam contestados judicialmente com muita probabilidade e as suspeitas de favorecimento ou de desvio de poder recairiam sobre eles, minando a credibilidade pessoal e política dos seus autores. Basta pensar nas últimas experiências de Governos de gestão em Portugal, sendo que duraram apenas semanas! Imagine-se o que seria um Governo de gestão de meses…Ninguém com o mínimo de racionalidade e responsabilidade está disposto a submeter-se a uma situação destas.

5. Concluindo: o cenário de um Governo de PS mais extrema-esquerda é cada vez mais provável. António Costa está disposto a sacrificar Portugal aos seus interesses políticos pessoais imediatos. Vai-lhe sair muito cara a jogada. E nós, portugueses, que não fomos tidos nem achados, vamos sofrer as consequências de tamanha irresponsabilidade… António Costa, a sério? Acredita mesmo no que irá fazer?

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