Por estes dias não tem tempo para distrações, ou para futebóis, ele que gosta de ir ao estádio e ainda torce pelo Belenenses, o clube de que defendeu a baliza. No último domingo até esteve em casa, mas só soube o resultado do Benfica-Sporting bem depois do jogo terminar. Preparava a intervenção da CGTP para esta semana, que incluiu o anúncio de uma manifestação em S. Bento, no dia que Passos Coelho verá o seu programa rejeitado.
Há um governo de esquerda inédito que parece estar ao virar da esquina, porém mantém a fleuma habitual. Ficou ele surpreendido? “Não, porque na noite das eleições, esse sinal foi dado pela CDU”. Sem euforias, “cautela” é a sua palavra de ordem. “Não basta dizer que é preciso mudar, é preciso políticas que ponham a vida das pessoas à frente da economia”,explica. Correrá tudo bem? “Vamos ver se há entendimento”. Para já, saúda “a leitura inteligente” dos políticos que sacudiu a desconfiança de décadas, e foi motivada pela “necessidade de pôr travão ao governo PSD/CDS”. E também saboreia “o desespero” com que à direita se encara “a mera possibilidade” de uma nova alternativa.
Satisfação à parte, fica um aviso:”A CGTP não ficará condicionada” por um governo de esquerda. Não mudará de atitude por ter pela frente o PS, apoiado pelo PCP e BE, e negociará “independentemente de quem está no governo”, como sempre fez em 40 anos. Ficou claro e ficaria mais ainda – “Não seremos avalistas de políticas contra os trabalhadores”.
Nas reivindicações que a CGTP foi agora apresentar aos partidos contam-se uma mão cheia de prioridades, incluindo a revogação de normas que facilitam os despedimentos, a reposição de feriados e o aumento o preço das horas extraordinárias. Acima de tudo, porventura, está o desbloqueamento da contratação coletiva, essa área nobre da atividade sindical, que Passos Coelho reduziu a uma expressão mínima.
Um capítulo à parte é a privatização dos transportes públicos. No programa eleitoral de PS, PCP e BE “há duas promessas em relação aos transportes: travar a privatização da TAP e reverter a concessão aos privados” de Metro de Lisboa e Porto, Carris e STCP. Esta é uma promessa que será cobrada pela CGTP, uma central sindical de maioria comunista, em que socialistas e bloquistas são tendências minoritárias e nem sempre concordantes. E ao contrário do que podia esperar-se, “há mais discussão interna agora”, surpreende-nos Arménio Carlos. E surpreende-nos uma segunda vez ao dizer, sem desfazer o sorriso, que “a expectativa com o acordo de esquerda não é excessiva” entre sindicalistas.
Greves gerais ou manifestações de protesto com um governo de esquerda são um cenário estranho para equacionar, mesmo neste tempo político desafiante que se vive, mas o líder da CGTP não desarma. “Primeiro, vamos ver se há entendimento, em segundo lugar quais são os conteúdos desse entendimento, e depois vamos ver qual é a prática desse governo que se venha a constituir”. Esta formulação, só por si, atira para muito longe qualquer cláusula de paz social dada de mão beijada a António Costa. E ainda nem falámos do Tratado Constitucional.
Neste capítulo, a primeira constatação é que os partidos de esquerda bem podem concordar que não põem em causa o défice, que isso não inibirá o líder da maior estrutura representativa dos trabalhadores de atacar esse instrumento que vem servindo para cortar salários e pensões, e ainda “deixar o país numa situação de desigualdade no investimento público”.
E com a direita a aceitar um défice de 7,2% por causa do Novo Banco, será possível a CGTP argumentar que os objetivos das contas públicas são incumpríveis. “Este Governo PSD/CDS deixa uma herança pesadíssima ao próximo governo”, reforça. Será difícil, em conclusão, aceitar “o Tratado Orçamental sem qualquer mexida”.
Quase a terminar, peço-lhe uma palavra que defina a sua atitude sobre o momento político. “Confiança”, diz, esclarecendo que a tem independentemente do que acontecer a seguir com o acordo à esquerda. Arménio Carlos espera o melhor mas já ninguém lhe tira o resultado de 4 de outubro. “Foi importante que não houvesse maioria absoluta de nenhum partido. As maiorias absolutas, qualquer delas, nunca trouxeram benefícios para os trabalhadores”.
O líder sindical olha para as presidenciais com otimismo e, com um sorriso trocista, diz que “Marcelo pensa que pode ganhar andando assim, devagar devagarinho”, mas pode bem ter uma surpresa. É que “a dinâmica criada por esta nova relação de forças muda muita coisa”.