O crime no Expresso do Oriente

É um dos romances mais conhecidos, ou talvez o mais conhecido, de Agatha Christie. A minha avó materna leu-o quando tinha mais de 90 anos. E quando eu lhe perguntei quem era o assassino, ela hesitou um instante e respondeu: eram todos.

É um bocado como a situação deste país: todos foram um pouco culpados. Socorro-me para fazer esta afirmação dos dados da Balança de Pagamentos portuguesa, que traduz o somatório das nossas relações financeiras com o exterior – bens, serviços, capital, investimento.

Recorrendo ao Pordata, vê-se que em 1996 a balança apresentava um défice de 4,5% do PIB, que os anos do Guterrismo fizeram subir para 10,8% em 2000. Os esforços do governo Durão Barroso com Ferreira Leite como ministra das finanças não tiveram grande sucesso, com o défice a baixar apenas para 7,2% do PIB. A partir daí foi o descalabro, com o défice a subir praticamente todos os anos, até se fixar no recorde Sócrates/ Teixeira dos Santos de 12,1% em 2008, o ano da falência do Lehman Brothers e da crise financeira que se seguiu. Desde então, tem vindo a descer, até porque em 2011 deixaram de nos emprestar dinheiro e a troika teve que vir. O ajustamento foi brutal, mas deu frutos: de um défice, a balança de pagamentos passou a apresentar um excedente de 1,4% em 2013 (ano da substituição de Vítor Gaspar por Maria Luís Albuquerque), deve ter também sido positiva em 2014, embora menos que no ano anterior, e este ano tudo indica que será também positiva. O equilibrar da balança de pagamentos não diz nada ao cidadão comum mas foi, na minha opinião, o melhor feito do primeiro governo de Passos Coelho.

Concentrando-nos apenas na dívida pública, a sua acumulação com o passar dos anos, faz com que hoje a dívida do Estado atinja um valor “redondinho”: 130% do PIB (total da produção do país). Pelo tratado orçamental que Portugal assinou essa dívida terá de ser reduzida para 60% do PIB em 20 anos, o que dá uma amortização da dívida de pouco mais de 3% ao ano. Não digo que seja impossível, mas é extremamente difícil. Se, em 2013, no auge da austeridade, Portugal conseguiu apenas amortizar 1,4% da sua dívida total (Estado, empresas e famílias), e se o défice do Estado ainda é superior a 3% do PIB, como é que as contas públicas vão passar de défices para excedentes de 3% ao ano durante 20 anos? É praticamente impossível. Talvez uma inflação mais alta ajude um pouco, porque a inflação faz subir o valor do PIB, o que faz diminuir a proporção do PIB na dívida. Mas, para cumprir o objectivo do tratado orçamental, a austeridade não deverá acabar tão cedo.

Escrevo este artigo para que não restem dúvidas sobre quem nos meteu neste lindo sarilho. Como no Crime no Expresso do Oriente, todos deram a sua facada. E, se alguém duvidava, os nossos problemas e a nossa austeridade estão longe de estarem resolvidos. E parto do princípio de que não haverá qualquer disparate como aumentos dos salários muito acima da subida da produtividade: pode ser agradável no início, mas a seu tempo acaba por causar sérios problemas. 

Francisco Assis, Paulo Macedo, Paulo Portas

Francisco Assis, um político com o qual nunca simpatizei, anda a “fazer das suas”, o que pode ter resultados desastrosos para a formação de um governo de esquerda em Portugal. Assis declarou ao Expresso que, na próxima semana, vai “reunir-se com militantes que discordam do rumo que está a ser seguido”, pelo que “Ficará claro que há uma corrente interna crítica e alternativa”.

O que esta corrente interna tenciona fazer por enquanto não se sabe, mas é bom recordar que a esquerda tem uma maioria no parlamento só de nove lugares. Se estes nove votarem contra o programa do seu próprio partido, o PS, o governo de esquerda cairá.

O PS é um partido com liberdade de expressão, por isso Assis pode divulgar as suas opiniões à vontade. Formar uma corrente interna que, no limite, pode impedir a esquerda de regressar ao governo é bem mais grave. Se porventura isso acontecer, só vejo uma solução para Assis: sair do PS e militar-se no PSD, que o acolherá de braços abertos.

Paulo Macedo

É com algum desânimo que vejo Paulo Macedo abandonar a pasta de saúde. Fez um trabalho que, não sendo excelente, foi muito bom. Esperemos que o seu sucessor continue a enfrentar com sucesso os problemas principais que o setor encontra: o aumento da esperança da vida da população, com o consequente aumento da necessidade de cuidados de saúde, e tratamentos cada vez mais sofisticados e caros.

Paulo Macedo deve agora regressar ao BCP, de onde veio. No fundo, aceitou fazer uma comissão de serviço de quatro anos. Bem-haja.

Paulo Portas

O homem da demissão irrevogável, que provocou uma crise financeira e que por pouco não deitou a perder todos os sacrifícios que os portugueses fazem, gosta de dar sermões, com voz grave e dedo indicador espetado. Desta vez, afirmou que Portugal está a regressar ao PREC. Das duas, uma: ou nos toma por um bando de idiotas, ou a sua saúde mental está periclitante, sem dúvida devido ao stress de abandonar o poder.