Turquia: Um país em suspenso

Em Diyarbakir, a chamada capital do Curdistão turco, a popularidade de Recep Tayyip Erdogan e do seu partido islamista conservador AKP já tiveram melhores dias. E a notícia de que dois primos de 12 e 13 anos podem ser condenados a quatro anos de reclusão num reformatório por terem deitado abaixo um cartaz do Presidente…

Em junho, Erdogan teve a primeira vitória amarga em 13 anos de poder. Nas eleições parlamentares o AKP perdeu a maioria absoluta, impedindo para já o seu objetivo de mudar a Constituição e transformar o regime em presidencialista. A grande novidade foi a entrada na assembleia do HDP de Selahattin Demirtas – um partido que junta o movimento pró-curdo a uma aliança de esquerda defensora dos direitos da mulher e das minorias. O estilo cada vez mais autoritário e divisivo de Erdogan estende-se ao partido e ao primeiro-ministro Ahmet Davutoglu, que falhou um acordo pós-eleitoral com as outras forças eleitas, pelo que Erdogan convocou novas eleições.

A confiar nas sondagens é bastante provável que os resultados se repitam. A campanha tem sido marcada pela ausência do HDP nas ruas. Uma decisão que resultou do atentado bombista que os seus apoiantes sofreram em Ancara, no dia 10, (mais de 100 mortos), numa marcha pela paz. Do lado do AKP, a estratégia tem sido a de demonizar o HDP. “Quando se apercebeu de que o HDP podia tirar a maioria ao Governo, o Presidente iniciou a estratégia de acusá-los de serem o braço armado do PKK. O objetivo é basicamente dizer que quem vota no HDP está a votar numa organização terrorista”, explica ao Financial Times Ilter Turan, professor de Ciência Política. Erdogan e Davutoglu têm repetido que a estabilidade e a paz só serão possíveis com a maioria absoluta – num momento em que o cessar-fogo com o PKK e o processo de paz são letra morta.

Se os resultados de junho se repetirem, há dois cenários prováveis. O primeiro, que Davutoglu enfrente Erdogan e consiga chegar a um acordo parlamentar, acordo esse que excluirá a alteração de regime; o segundo, é o de que Erdogan volte a convocar eleições.

O segundo cenário deixa o número um da lista do HDP por Diyarbakir, Idris Baluken, pessimista. “Se o Parlamento não funcionar, a Turquia pode ser rapidamente conduzida para a guerra civil”, prediz à Reuters.

UE silencia relatório

Há uma frase do presidente da Comissão Europeia que resume o pragmatismo de Bruxelas: “Quer gostemos, quer não gostemos temos de trabalhar com a Turquia”, disse Jean-Claude Juncker na terça-feira a propósito da crise dos refugiados. Ou seja, com Erdogan. É esta a chave para o adiamento da publicação do relatório anual sobre os progressos daquele país no processo de candidatura à União Europeia para uma data posterior às eleições.

O documento conclui que Ancara recuou em capítulos fundamentais como o primado da lei, a independência judicial ou a liberdade de expressão. A forma como o Presidente exorbita as suas funções e a tomada do Estado pelo AKP são igualmente alvo de críticas.

cesar.avo@sol.pt