Nesta geografia difícil, impôs-se a raça denominada Arouquesa. Precisamente porque a geografia assenta em declives, escarpas e numa paisagem irregular onde os terrenos agrícolas se situam em locais de difícil acesso, a partir de cruzamentos entre as raças Barrosã, Mirandesa e Minhota, apurou-se um animal ágil, capaz quer de vingar em terreno tão agreste, quer de ajudar o homem nas tarefas agrícolas em locais íngremes e tão pouco acessíveis. De atitude dócil e dotados de uma grande capacidade de trabalho, os animais bovinos desta raça autóctone tornaram-se numa ajuda preciosa para os trabalhos agrícolas desta região de geografia sinuosa. A par de tudo isto, estes bovinos contentavam-se com a alimentação pobre que a região providenciava. Apresentou-se, por isso, desde sempre, como uma raça nitidamente serrana insubstituível pelas suas aptidões.
Hoje, mais do que as suas aptidões para a atividade agrícola valoriza-se a sua carne que foi reconhecida como Denominação de Origem Protegida (DOP). Provada a ligação à origem geográfica, descritas as características específicas do animal, fixou-se, em 1998, com este reconhecimento DOP a singularidade da carne que se obtém com esta raça autóctone. De consistência firme e ligeiramente húmida e de sabor e cheiro sui generis, esta carne é muito procurada sendo que a disponibilidade para venda fica muito aquém da procura no mercado.
Ao peso da tradição desta Raça Bovina autóctone, confinada ao denominado Solar da Raça Arouquesa e ao reconhecimento DOP defendido pela Associação Nacional de Criadores da Raça Arouquesa veio juntar-se o esforço, o empenho e a dedicação da Confraria Gastronómica da Raça Arouquesa que, desde 2002, tem vindo a desenvolver atividades de forma a cumprir os objetivos traçados na sua fundação. Assume-se, por isso, como uma entidade que representa os valores culturais e históricos associados a esta raça autóctone. Interessados em preservar a tradição associada à Raça Arouquesa, não deixam de escapar o quão importante é estabelecer ligações com produtores e com os agentes económicos que fazem a comercialização e a transformação (restauração) da carne. Por um lado, é preciso cuidar e tratar com quem produz, com quem lida diariamente com os animais e os estimam pela importância económica mas, sobretudo, cultural. Por outro lado, há que cada vez mais divulgar entre a restauração, principal ponto de divulgação a todos os que visitam Arouca, as tradições gastronómicas associadas ao Solar Raça Arouquesa, e não deixar que se desvirtuem as técnicas culinárias tradicionais. Por fim, há que divulgar a singularidade desta raça autóctone. Ora junto de outras confrarias portuguesas, ora junto de instituições públicas e privadas, ora ainda junto de entidades internacionais, há que apelar para o facto de, no conjunto da dieta continental, sobressair a importância e a singularidade da raça Arouquesa.
A preocupação desta confraria cujos confrades trajam de capa serrana feita de burel levou-as à instituição da ementa confrádica. Assim, privilegia-se a carne de um animal jovem (entre os cinco e os noves meses de idade), quer para um arroz de aba em que a carne da aba e costela mendinha da vitela após um estrugido de cebola e azeite recebe o arroz que deve ficar escorrido, quer para a vitela assada em forno de lenha temperada com cebola, louro, azeite e sal, quer ainda para a vitela grelhada na brasa temperada apenas com sal grosso. Os miúdos são reservados para as entradas onde os fígados são fritos em cebolada e as tripas são estufadas. A finalizar a refeição, imperdoável seria não usufruir dos doces saídos do Mosteiro de Arouca pelas mãos das exímias irmãs doceira professas da Ordem de Cister. Tão belo banquete, inspirado na tradição dos dias festivos das famílias mais abastadas, é acompanhado dos vinhos da região que atenuam a pujança da refeição.
Criados ao ar livre e alimentados com a vegetação natural que cobre as encostas de tão bravio terreno, estes animais são de corpulência mediana e a cornadura é de tamanho médio, grossa na base, de cor branca e escura nas pontas sendo que nasce horizontalmente para fora encurvando para a frente e para cima. De olhar doce, a sua presença sugere a preciosa ajuda que deu e continua a dar ao homem. Espalhada por vinte e dois municípios, a raça Arouquesa merece ser defendida, valorizada e protegida até porque, segundo opinião do Grã- Mestre desta confraria, a sua «carne é escassa como os diamantes e, por isso, deve ser tratada como uma preciosidade».
Em Arouca, atrevemo-nos a dizer que não é só a carne bovina da raça Arouquesa que é uma preciosidade. Outras? Os doces, onde se destacam as castanhas de ovos e o pão-de-ló; a imponência do Mosteiro cuja história que se estende desde o século X nos obriga a uma demorada visita; a geografia magnífica quase impenetrável que proporciona uma experiência de exuberância natural; a água sempre presente através dos rios Paiva, Arda, Paivó, Caima, Urtigosa, Ardena, Inha e das ribeiras de Moldes, de Rio de Frades e da Aguieira; a fauna e a flora onde ainda hoje se encontram espécies há muito desaparecidas nas proximidades; o fenómeno das pedras parideiras da Serra da Freita. Enfim, um ror de motivos que nos devem obrigar a penetrar neste território onde todo o conjunto permite uma experiência de turismo natural, histórico, cultural e gastronómico sem igual. As terras de Arouca, sede da confraria, fascinarão os seus visitantes não só pela excelência da sua gastronomia mas, também, pelos seus geosítios integrantes do Arouca-Geopraque.
Pela tradição, pela história, pela economia e pela cultura associadas, pressente-se que o esforço e o trabalho de todos os confrades da Confraria da Raça Arouquesa será cada vez mais grandioso e mais fértil para a dignificação de uma raça autóctone que não se descobre apenas na refeição, é um todo que se descobre numa parte.
* Presidente das Confrarias Gastronómicas Portuguesas